Por que nos Incomodamos tanto Com as Opiniões Diferentes das Nossas?

Por que alguém se incomodaria com aquilo que não é da sua vida e que, portanto, não o(a) representa? Qual o motivo de se incomodar com uma escolha individual, subjetiva e que, supostamente, não afeta as demais pessoas?

“Porque afeta nossa própria certeza sobre nossas escolhas”, sentencia o psicanalista João Angelo Fantini, organizador e autor do livro Raízes da Intolerância (EdUfscar, 2014) e professor do Departamento de Psicologia da Ufscar.

“Fizemos a escolha certa? Será que o outro não está levando alguma vantagem? Será que ele se esforçou como eu para conseguir o que escolheu?”, completa.

Segundo Fantini, a psicanálise oferece, além das razões históricas, uma fórmula inversa para pensar a intolerância sobre a escolha do outro.

Nosso ódio ao outro não é fruto do fato deste outro ser ‘menos’. Pelo contrário, é sustentado pela crença que este outro possui algum algo a mais. O que afeta é que o outro está nos ‘roubando’ algo que seria nosso por ‘direito’.

Pensando em uma perspectiva social, entre mim e o mundo existem sempre os outros. E nosso convívio em sociedade exige algumas restrições e renúncias, de modo que a coexistência de todos seja possível.

E renunciar em um mundo que cultua apenas as experiências prazerosas e rejeita o sofrimento definitivamente não é fácil.

“Viver em sociedade é uma negociação permanente e essa negociação é dura. É árdua em vários sentidos”, afirma o historiador Leandro Karnal na palestra Tolerância Ativa.

A globalização enfraqueceu ou apagou fronteiras e nos vendeu um discurso de igualdade ao mesmo tempo em que impôs convivências. Essa imposição acaba por colocar as diferenças em destaque. E diferenças sempre existiram.

O problema é quando elas são consideradas uma ameaça, e com essa narrativa, temos o motivo para reunirmos nós, os iguais, e segregarmos o outro. É um ideal de vida murado.

“Há uma espécie de modelo de segregação do outro”, explica Fantini. E esse modelo, que espera apenas “pequenos sinais que vão construindo uma forma de estranheza dirigida ao outro”, não se aplica só aos estranhos, como também aos mais próximos.

A animosidade que vemos nas redes sociais é um reflexo dessa estranheza em prática.

O mundo virtual é palco de contendas sobre política, vegetarianismo, orientação sexual, vestimentas, meios de transporte, religião, cortes de cabelo, cachorros abandonados ou não… Uma infinidade de temas. Basta escolher em qual briga entrar.

A intolerância é exposta, endossada e fomentada explícita e publicamente, agora com mais canais por onde sair.

Nesse sentido, os linchamentos virtuais representam um duro golpe, pois assinalam a perda “da coisa mais cara ao ser humano: ser reconhecido”, esclarece Fantini.

“Ser um pária, um sujeito malvisto socialmente, equivale a uma forma de morte simbólica muito difícil de superar.”

Um aspecto bastante comum em nossa sociedade é a nossa tendência à polarização, que implica escolher entre um e outro… É uma obrigação implícita de marcamos posição alinhada com o certo de um, ou com o errado do outro.

Fantini explica:

Nossas escolhas são narcísicas e, como todo narcisismo, nos agarramos a ele até o fim: admitir que estava errado, que não avaliou bem uma questão, que confiou em um político que se mostrou desonesto, que se enganou na escolha amorosa… São escolhas muito arraigadas.

“A saída mais fácil é dizer que o outro está errado e não está vendo a realidade. Isso preserva nosso narcisismo e, de quebra, nos associa a outras pessoas – em grupo, o que é uma demanda demasiado humana.”

A tolerância parece simples quando discutida em um grupo formado por semelhantes. Difícil é discutir as prioridades de cada um na reunião de condomínio.

“É fácil ser tolerante com a ideia parecida com a minha. O difícil é ser tolerante com a ideia oposta à minha. É o choque entre polos que não conseguem entender que o outro possa estar correto. E aí, as próprias religiões dão a solução: o primeiro princípio é uma regra áurea, comum a quase todas as religiões, não fazer ao outro o que não quer que seja feito a si”, explica Karnal.

O contraponto à intolerância seria a compaixão, palavra que nos soa familiar enquanto vocabulário, mas definitivamente praticada com menos assiduidade do que deveria.

“Essa regra áurea de Norman Rockwell, que fez um pôster que está na ONU, é a norma básica: colocar-se no lugar do outro e, segundo os budistas e cristãos, ter compaixão. O que significa isso? Compassione, em latim: eu sinto junto. E sentindo junto eu penso o que perturba o outro. Esse é um exercício fascinante. A compaixão a todo momento”, completa o historiador.

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