Cuidado com a Fé Cega
- Comportamento
- 24/08/2021
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É interessante observar que o Dia Mundial da Religião, que se comemora em 21 de janeiro, foi criado com o objetivo de se pensar a harmonia entre as religiões mundiais, combater a discriminação e a intolerância religiosa – aquela que é gerada pela fé cega.
Isso me faz lembrar de um caso que aconteceu lá pras bandas de Minas, justo sobre a tal da fé cega e da enganação. É a história do Francisco Possidônio, que na infância chamávamos de Chico Preto. Garoto alegre, bom de bola e brincalhão de marca maior, já crescido resolveu fundar, num rincão da periferia da cidade, uma igreja nova. Tentou de toda forma arranjar um sócio.
– Eu garanto que a coisa dá dinheiro fácil, mas muito dinheiro mesmo!
Chico Preto foi em frente. Inventou a figura de uma tal Santa Corosa, que ele dizia ser a verdadeira intercessora entre os homens e Jesus. Sem ela, nenhuma prece chegava até o Senhor. Tendo aparecido para ele numa noite, ela deu-lhe instruções detalhadas para criar a Igreja do Milagre Supremo.
Bem depressa a igreja já contava com muitos crentes. Chico Preto começou a ganhar dinheiro. A Santa Corosa estava fazendo muitos milagres e sua fama começou a espalhar-se. Caravanas de toda parte estavam chegando.
Tendo feito tudo sozinho, Chico chamava os amigos de bobos e dizia que agora não lhe interessava mais sócio. Sua mãe entrou para a igreja, mas os familiares mais lúcidos viam que o próprio Chico Preto não acreditava naquilo. Era tudo um teatro. O nome da Santa Corosa tinha nascido de uma brincadeira que Chico resolvera fazer com o nome de um primo, apelidado de Coró, que se mudara para os Estados Unidos. Prometeu, numa carta, que ia transformá-lo em santa de sua igreja, a Santa Corosa. E foi o que fez.
Chico Preto se dizia também vidente. Inventava nomes e histórias que contava pelo rádio, lançando-se contra exus, caboclos, espíritos do mal, demônios e tantas outras forças das trevas. Sua voz gritada, cheia de fingida emoção, tinha muito efeito sobre a alma simplória do povão. Através de suas vidências, ele descobria a causa da infelicidade de toda gente. Era sempre obra maligna de macumba: um despacho, uma coisa feita, uma amarração, um feitiço ou bruxaria, feitos em alguma encruzilhada, em floresta ou cemitério, com fragmentos de gatos, corujas, morcegos…
Entre os amigos íntimos, Chico Preto ria muito disso tudo. Nunca deixou de ser o brincalhão de todas as horas. Dizia que o mundo sempre foi e sempre será dos mais vivos, que o povo é carente de ilusão e só é feliz acreditando e pastando. E gostava de repetir: “Já dizia Jesus na Galiléia que homem que é vivo não bobéia!”
Mas a história teve fim trágico. Acostumado a seduzir belas ovelhas da ala feminina de seu rebanho, Chico Preto foi morto a tiros, na saída de um motel. Envolveu-se com a esposa de um sujeito ciumento, que não pertencia à igreja. O homem não aceitou aquela história, aquela mistura de sexo com exorcismo, por instrução da Santa Corosa… E, na hora agá, a santa não teve poder de fogo contra o ódio e as balas do marido traído.
De vez em quando ficamos sabendo de casos como este. Embora nenhum de nós goste de ser enganado, o número dos enganadores aumenta a cada dia. A credulidade do povo parece não ter fim. Em todas as partes do mundo, os vivaldinos sabem disso. Por quê? Porque, desde pequenos, os seres humanos aprendem que devem ter muita fé, que devem crer sem duvidar, aceitar sem perguntar. Aprendem que Deus só gosta de quem tem fé.
Mas nós perguntamos: Que tipo de fé? Fé em quem? Deus gosta que tenhamos fé em qualquer um? E se o pregador que vive falando de Deus nos nossos ouvidos for apenas mais um enganador? Quem nos garante? Como podemos ter certeza?
A fé só é importante quando é consciente, quando não foge da lógica e da razão. A Santa Corosa que nos desculpe, mas a fé cega nunca foi inteligente. A fé cega não agrada a Deus. Se agradasse, Ele não teria dado uma maravilhosa inteligência a cada homem, a cada mulher… A cada um de nós.
(Dalmy Gama, escritor, professor, docente de Logosofia)
Fonte: https://www.dm.com.br/opiniao/2018/01/cuidado-com-a-fe-cega/