A Terra Prometida dos Espíritas Brasileiros
- Atualidades
- 13/09/2024
- 12 min
- 304
Vejo o futuro repetir o passado; vejo um museu de grandes novidades (Cazuza)
Quando, há décadas, participava da Mocidade Espírita já debatíamos nos estudos doutrinários a triste situação do movimento espírita brasileiro.
A Doutrina Espírita, como bem sabemos, não possui representantes. Entretanto, o movimento espírita é formado por pessoas e existem algumas delas que se destacam e – por assim dizer – se tornam referências de conhecimento, divulgação do Espiritismo e do trabalho que realizam, muitas vezes, em favor dos menos favorecidos.
Contudo, a meu ver, o movimento espírita preferiu dar uma guinada de 180 graus para a prática religiosa da Doutrina Espírita, em fragrante prejuízo dos seus aspectos científico e filosófico.
São raros os que estudam, por exemplo, a codificação kardequiana no que se refere a analisar as comunicações espíritas, até porque são quase sempre “assinadas” por Espíritos notadamente reconhecidos como superiores no nosso meio.
Assim sendo, alguns dizem: – como posso duvidar do médium “x” e do espírito Bezerra de Menezes que assinou a mensagem? Esse status que damos à suposta superioridade do médium e do espírito, enfraquece nosso senso crítico, dificultando a análise cuidadosa das mensagens, deixando de fazê-las passar pelo crivo da razão, da lógica e do bom-senso, critérios fundamentais para a aceitação do seu conteúdo, de acordo com Kardec ( 1 e 2).
Vemos mensagens atribuídas a Ismael, Dr. Bezerra de Menezes, Leon Denis, D.Pedro II e tantos outros, com conteúdo desagregador, promovendo o ódio e a dissenção, colocando uns contra os outros. É claro que no final da mensagem sempre encontramos palavras encorajadoras e confortadoras do tipo “confiemos em Jesus, pois Ele está no leme etc etc, com o objetivo de oferecer uma certa confiabilidade à mensagem.
Um deus que promove a discórdia e a desunião, que julga e acusa, não pode ser Deus. É um deus particular criado para endossar o comportamento odioso dos espíritos comunicantes e dos médiuns invigilantes e, às vezes, interesseiros.
“Quem não pensa é pensado pelos outros” (3).
Quem não estuda e não se informa pode ser facilmente manipulado.
Esses espíritos mistificadores, numa enxurrada de comunicações apócrifas, incentivam a separatividade, estimulam a discórdia e a vaidade dos espíritas descuidados. Assim, geralmente essas mensagens afirmam a respeito do destino extraordinário do Brasil, que Jesus escolheu o Brasil para representá-Lo junto aos homens, num incontestável desprezo a todos homens e mulheres nascidos em outros países. Afinal, “somos os eleitos por Jesus” que deve ter visto em nós algum preparo, uma superioridade que não viu em país nenhum.
Isso estimula o ufanismo, orgulho exacerbado e doentio pelo país em que nasceu.
E chove mensagens de que irão reencarnar milhares de espíritos suficientemente adiantados para nos salvar e colocar a Terra num outro patamar, o mundo de regeneração.
Ah, tem mais: Jesus está preparando um novo presidente para o Brasil (muitos acreditam que já preparou!). Afinal, o conceito de um deus autoritário e cruel, dirigindo e castigando o homem, é algo incrustado nos recônditos de nossa alma. E Jesus, assim sendo, seria o representante de Deus para essa missão.
Dessa forma, não seremos nós que vamos eleger. Será Jesus que vai impor, mesmo que seja à força.
Não importa que estamos destruindo o planeta, pois irão reencarnar espíritos que vão nos salvar.
Excitada a vaidade que cega, assistimos às centenas de publicações, no último dia 07 de setembro, da bandeira brasileira com os dizeres: Brasil, coração do Mundo, Pátria do Evangelho.
Orgulhosos com a escolha feita por um Jesus exclusivista, apontam adversários imaginários que supostamente são contrários a essa ideia. Muitos nem leram a obra a que se referem, muito menos estudaram com senso crítico esse livro. Mas defendem a exclusividade.
Para esses, Jesus está vestindo uma camiseta amarela.
Fernando Rossit
1) O Livro dos Médiuns, Cap.20, item 230; e
2) O Livro dos Médiuns, Capítulo XXXI.
3) Frase atribuída a Sócrates.