Ano Novo, Homem Novo
- Colunas
- 02/01/2020
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Sidney Fernandes
Um rato pediu ajuda à galinha, ao porco e à vaca, para enfrentar uma ratoeira que havia chegado à fazenda. Recusaram-se, pois não se sentiram ameaçados. À noite, a ratoeira apanhou uma cobra venenosa pelo rabo, que acabou por picar a mulher do fazendeiro. Em virtude de sua doença e depois da sua morte, seguidamente, os três animais foram chamados a protagonizar o episódio, em forma de canja, guisado e carne assada. A moral da história resume-se nesta frase: “O problema de um deve ser problema de todos”.
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No dia 25 de janeiro começará o ano novo chinês que, em 2020, lembrará um dos animais que responderam, conforme a lenda, ao chamado de Buda para uma reunião. O rato foi o primeiro a atender ao chamado de Siddharta Gautama (563-483 A.C.), numa prova de interesse e de envolvimento com a sua nobre causa de iluminação.
Parafraseando o eminente filósofo, escritor e tradutor brasileiro José Herculano Pires, eu diria que, para termos um ano novo, precisaremos de um homem novo. Reclamamos muito dos erros e injustiças que ainda grassam em nossa sociedade e saímos alardeando que o mundo precisa mudar, com urgência. O raciocínio deveria ser inverso. O homem deve melhorar e se tornar o agente transformador das mudanças que precisam ser feitas.
E não estamos falando de modificações superficiais — volta a nos alertar Herculano Pires —, temos que promover a transformação essencial de nós mesmos.
Nossa luta é o bom combate do apóstolo Paulo: despertar as consciências e libertar o homem do egoísmo, da vaidade e da ganância.
Esse objetivo será alcançado, não com as verdades do indivíduo, que geralmente são moedas falsas de circulação restrita, e sim, das que nascem do contexto social, em que indivíduos se formam pelo contato com os seus pares.
Embora profunda e essencial, a caminhada do homem velho para o homem novo é da simplicidade de uma parábola evangélica. Santo Agostinho nos deu a fórmula, concitando-nos ao diuturno reexame de nossas atitudes. Jesus nos deu a essência, assim interpretada pelo exegeta Emmanuel:
Com Jesus ergue-se o homem para a luz, ao serviço, à sabedoria, à razão, ao direito, à fraternidade, à compaixão, ao entendimento, ao amor, aos bens imperecíveis, à renúncia, à justiça, à piedade, ao verbo criador, à beleza, à virtude, à harmonia e ao contentamento. Do pântano ao monte, do lodo à gloria…
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Cada dia do novo período que se inicia tem, em sua retaguarda, a sabedoria que adquirimos nesta e em vidas pretéritas. Traz também os miasmas deletérios e os vícios que ainda portamos. Para nós, ainda incipientes passageiros do bonde evolutivo, cada novo ano é uma nova chance de progresso que se descortina. Não desprezemos a riqueza de seus minutos, das suas horas, dos seus dias, dos seus meses… Cada um desses fragmentos representa uma pequenina parte da herança que receberemos no futuro.
No novo ano chinês, o do rato, tenhamos sempre em mente a nossa responsabilidade perante a sociedade, o próximo e perante nós mesmos. Na próxima vez que ouvirmos alguém dizer que está diante de um problema e ainda acharmos que não nos diz respeito, lembremo-nos de que, quando há uma ratoeira na casa, todos nós corremos risco.
O problema de um deve ser problema de todos.
Feliz rato, digo, feliz ano novo!
Fontes consultadas: Pão Nosso, Emmanuel e O Homem Novo, J. Herculano Pires