Da Boca para Fora
- Colunas
- 26/11/2020
- 10 min
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Sidney Fernandes – 1948@uol.com.br
João Silveira, modesto mestre de obras, voltava para casa depois de um intenso dia de trabalho. Estava cansado, porém feliz, pois tinha o final de semana de descanso.
Ao passar em frente à lanchonete do “Seu Ernesto”, perto de sua casa, tirou alguns trocados do ganho do dia para comprar dois sanduíches e uma garrafa de refrigerante. A esposa Maria também iria ter o sábado e o domingo livres e ambos, trabalhadores, mereciam o lanche como uma forma de comemoração, pelo momento especial.
O próprio Ernesto colocou cuidadosamente a encomenda em sacola plástica e a entregou para João. Em casa, ele notou que havia chegado apenas um sanduíche, que dividiu fraternalmente com a esposa. No outro pacote, uma surpresa.
Por engano, Ernesto havia colocado, no lugar de um dos lanches, um envelope com todo o dinheiro do dia arrecadado pela lanchonete. Era muito dinheiro! Ali havia, aproximadamente, dez vezes mais do que os salários mensais dele e da esposa, somados.
João e Maria acabaram de comer, tranquilamente e, depois, sem qualquer vacilo, caminharam até a lanchonete do “Seu Ernesto”, que, a essa altura, estava se descabelando, sem saber aonde havia colocado o dinheiro do dia.
Com a maior tranquilidade, chamaram Ernesto para um canto discreto e lhe devolveram todo o dinheiro. O dono da lanchonete viu, no casal, criaturas humildes, pobres, mas absolutamente honestas. Emocionado, ajoelhou-se e, entre lágrimas, disse:
— Graças a Deus, Joãozinho, que foi para você que entreguei todo o meu dinheiro. Sua mãe ficará feliz, ao saber que seu filho honrou a palavra do Senhor!
Ernesto fez questão de servir o melhor lanche da casa para o casal, uma verdadeira refeição. Antes de saírem, disfarçadamente, o dono da lanchonete colocou expressivo valor no bolso de João, pois sabia que o digno rapaz não iria aceitar qualquer recompensa. Pegou seu celular e tirou uma selfie com o casal.
No domingo, no culto evangélico, João e Maria foram chamados pelo pastor Messias, logo após o seu sermão, para serem homenageados, publicamente, pela grande demonstração de honestidade. Ernesto se encarregara de dar publicidade ao gesto nobre, que viralizara nos canais sociais da igreja.
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O escritor Alexandre Caldini, em expressivo vídeo denominado Por fora bela viola, por dentro, pão bolorento, chama nossa atenção para as pessoas que aparentam ser uma coisa, mas são outra. Adverte:
— Nunca estamos sós. Tudo o que fazemos escondidinho, não é escondidinho.
E se o nosso pai, nossa avó, ou outros entes queridos, que já partiram para o outro lado da vida, vissem o que estamos fazendo de errado, o que achariam?
Falou Jesus, dirigindo-se a escribas e fariseus:
— Pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundícia. Mateus, 23:27
Já é tempo de pararmos de falar as coisas da boca para fora, isto é, dizermos o que não pensamos, ou agirmos em desacordo com nossa consciência.
Como está o nosso fazer e falar? Podemos dizer que estamos agindo como nossos honrados personagens?
João e Maria, evangélicos, não cogitaram da presença de testemunhas invisíveis. Não foi preciso! A vigilância de suas consciências foi muito mais efetiva. Aliás, não é exatamente isso o que se deve esperar de autênticos cristãos?