Ensino Religioso nas Escolas Públicas

“Uma religião não pode pretender apropriar-se do espaço público para propagar a sua fé.”

Ministro Luís Roberto Barroso, do STF.

O Supremo Tribunal Federal perdeu uma grande oportunidade de referendar o caráter laico do Estado brasileiro. A Procuradoria-Geral da República, mediante ação direta de inconstitucionalidade, questionou dispositivo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação que permite o ensino obrigatório, embora de matrícula facultativa, do ensino religioso nas escolas públicas. Por interpretação que se tem dado àquela lei, ministros de confissões religiosas passaram a ministrar ensino confessional de religião nas escolas públicas. Para a PGR atenta contra a laicidade do Estado a docência por ministros de uma religião de seus dogmas em escolas públicas. Pretendia substituir o ensino confessional por conteúdos históricos das religiões, ministrados por professores públicos.

Apesar da forma brilhante com que o relator da ADI, Ministro Luís Roberto Barroso, acolhia, em seu voto, a pretensão do Ministério Público Federal, a ação acabou julgada improcedente pelo escore final de 5 a 6.

Mas fica para a História o lúcido voto de Barroso para quem ”cada família e cada igreja podem expor seus dogmas e suas crenças para seus filhos e seus fiéis sem nenhum tipo de embaraço. Da mesma forma, as escolas privadas podem estar ligadas a qualquer confissão religiosa, o que igualmente é legítimo. Mas não a escola pública. A escola pública fala para o filho de todos, e não para os filhos dos católicos, dos judeus, dos protestantes. E ela fala para todos os fiéis, portanto uma religião não pode pretender apropriar-se do espaço público para propagar sua fé”.

Acompanharam o voto do relator os ministros Luiz Fux, Rosa Weber, Marco Aurélio e Celso Mello. Este, o decano do STF, apresentou um verdadeiro libelo contra o ensino confessional nas escolas públicas e referendando o caráter laico do Estado.

Entretanto, falaram mais alto do que a moderna razão laica e livre-pensadora vetustas tradições que teimam em manter amarrados entre si Estado e religião. Ministros que se posicionaram contra o voto do relator, reconheça-se, não tiveram qualquer dificuldade em encontrar em velhas e surradas tradições que, antanho, se fizeram leis ou se converteram em doutrina e jurisprudência, razões para fundamentar seus votos. Convalidou-se, inclusive, acordo firmado entre a Santa Sé e o Brasil, no qual o estado brasileiro se compromete com “o ensino religioso católico e de outras confissões religiosas” nas escolas públicas.

Onde se poderia avançar, por força de decisão soberana da mais alta Corte do país, retrocedeu-se.

É verdade que a lei não obriga o aluno a assistir às aulas de religião, cuja matrícula é facultativa. Mas, como se infere do voto de Barroso, a simples presença de ministro de uma entre tantas religiões em escola pública, ensinando seus dogmas, implica em privilégio atentatório à liberdade de crer ou de deixar de crer. Questões que dizem com crenças devem ser construídas autonomamente no íntimo do educando. A religião, ainda que respeitáveis seus propósitos, há de se circunscrever ao espaço privado do lar ou dos templos. A educação, a partir de pressupostos de validade universal, deve ter seus parâmetros regulados e fiscalizados pelo Estado. Só assim se há de tornar efetivo o princípio vigente nas Constituições de todos os países democráticos, inclusive o nosso.

A separação entre Estado e religião (ou religiões, que, cá, proliferam tentando teocratizar o Estado), é fruto do Iluminismo, conquista que não pode sofrer retrocessos. Aqui, sofreu, com o julgamento da ADI 4439.

Nota: O representante da Federação Espírita Brasileira (FEB), Alvaro Chrispino, apresentou o posicionamento da entidade (na audiência pública), que é contra o ensino religioso nas escolas.

FONTE: editorial http://ccepa-opiniao.blogspot.com.br/