Entrevista Com Allan Kardec

Sidney Fernandes

Repórter: — Senhor Allan Kardec. Estamos em 1860. O espírito da Doutrina Espírita que o senhor codificou já está pronto ou ainda precisa de alguma complementação?

Allan Kardec: — Com o lançamento da segunda edição de “O Livro dos Espíritos”, consideramos que os alicerces principais da grande obra dos espíritos foram fincados. A partir de 1861 teremos criteriosa expansão filosófica e a consolidação de aspectos experimentais e científicos.

Repórter: — E quanto à estrutura ética?

Allan Kardec: — Não é nossa preocupação neste momento. Ela virá a seu tempo, evitando-se ao máximo os atritos e controvérsias, buscando-se apenas os ensinamentos morais dos evangelhos.

Repórter: — Comenta-se nos bastidores do nosso jornalCourrier de Paris — que a Doutrina Espírita estará exposta às mais rudes confrontações. O que me diz disso?

Allan Kardec: — Cada ataque determinará o exacerbamento do nosso processo introspectivo e de nossa autoanálise, para que as posições da Doutrina permaneçam inexpugnáveis.

Repórter: — E quanto ao meio científico? O senhor tem algum receio de sua reação?

Allan Kardec: — A Doutrina Espírita se antecipou aos tempos. Suas ideias e conceitos, tais como a reencarnação, a pluralidade dos mundos habitados e, poderíamos acrescentar, a existência do perispírito, começam a receber a estampa confirmatória de importantes cientistas que se detêm a examiná-la seriamente.

Repórter: — O senhor não tem receio de que os cientistas possam identificar algum conflito do Espiritismo com a ciência?

Allan Kardec: — O Espiritismo está preparado para se modificar, nos pontos em que eventualmente estiver em erro ou em conflito com a ciência. Se em algum dia surgir alguma reformulação na codificação, isso poderá ocorrer em seus aspectos secundários, jamais em suas concepções estruturais básicas.

Repórter: — O Espiritismo foi criado pelo senhor?

Allan Kardec: — O nome do primeiro livro da codificação exprime bem a sua procedência. A obra é dos espíritos e não minha. O surgimento do Espiritismo foi meticulosamente planejado e escrupulosamente executado. Estão claros os sinais de uma inteligência, consciente e preestabelecida, coordenação de esforços entre encarnados e desencarnados incumbidos das tarefas iniciais e das que vão se seguir, no tempo e no lugar certos.

Repórter: — Surpreende-me, Senhor Kardec, a sua resistência a todos os embates. A que atribui essa fortaleza?

Allan Kardec: — Quando me sobrevinha uma decepção, uma contrariedade qualquer, eu me elevava pelo pensamento acima da humanidade e me colocava antecipadamente na região dos espíritos e desse ponto culminante, donde divisava o da minha chegada, as misérias da vida deslizavam por sobre mim sem me atingirem. Tão habitual se me tornara esse modo de proceder, que os gritos dos maus jamais me perturbaram.

Lamentando chegar ao final da entrevista, o repórter fez a última pergunta.

Repórter: — Existem os chamados espíritos ordenadores?

Kardec: — Espíritos ordenadores são os incumbidos pelo Plano Maior de disciplinar as ideias, descobrir suas conexões e consequências, colocando-as ordenadamente ao alcance da mente humana. Sempre tive consciência de sua existência e de sua importância e espero sempre continuar contando com esses sintetizadores do pensamento.

Sorrindo, o repórter apertou a mão de Allan Kardec, com a absoluta convicção de que seu entrevistado era um desses espíritos ordenadores.

 

Referências: Nas Fronteiras do Além, Hermínio Miranda; Obras Póstumas, Allan Kardec.