Epopeia Universal

Sidney Fernandes

Grande assembleia

O encontro histórico aconteceu no dia 31 de dezembro de 1799, pouco antes, portanto, da entrada do novo século. Trabalhadores do progresso humano das mais variadas origens, heróis e paladinos da renovação terrestre de todos os matizes formaram um brilhante concerto de personalidades que se destacavam pela cultura e moral ilibadas.

Liderando grupo de almas do plano carnal, vinha Napoleão Bonaparte, que, recentemente — em 9 de novembro de 1799 — havia se tornado o primeiro cônsul da República Francesa. De repente, como se fosse mágica ponte, projetou-se uma estrada de luz da espiritualidade, cujos astros tomaram formas humanas aureoladas por claridade celestial.

Destacou-se o Espírito Verdade, que se dirigiu a Napoleão:

Dentro do novo século começaremos a preparação do terceiro milênio do Cristianismo na Terra. Novas concepções de liberdade surgirão para os homens. Confiamos, pois, ao teu espírito valoroso, a governança política dos novos eventos.

 Aquelas graves palavras reiteravam os compromissos de paz e segurança, que criariam o ambiente ideal para o descortínio da nova era. O missionário seria Allan Kardec, que retornaria ao mundo no início do século nascente para descerrar novo ciclo de conhecimento para a Terra atormentada.

Infelizmente, o primeiro cônsul da República Francesa deixou se levar pela volúpia do poder e proclamou-se imperador em 18 de maio de 1804, ordenando ao Papa Pio VII que fosse coroá-lo em Paris. Por outro lado, Allan Kardec, na humildade de um mestre-escola, como simples homem do povo, deu integral cumprimento à divina missão que trazia à Terra, inaugurando a era espírita-cristã, a sublime renascença da luz para o mundo inteiro.

Texto adaptado e condensado da página Kardec e Napoleão, do livro Cartas e Crônicas, de Irmão X

O Espiritismo é a revelação da razão. Surgiu em um dos momentos de maior descrença e materialismo da sociedade terrena, no olho do furacão das grandes transformações nos campos das artes, das grandes descobertas da ciência médica e das grandes conquistas tecnológicas da humanidade.

Em 1857 — apenas dois anos após o primeiro contato do professor Rivail com os mortos — surgiu a primeira edição de sua obra magna — O Livro dos Espíritos —, que inaugurou a nova era em que perguntas filosóficas puderam finalmente ser respondidas.

Ainda que cercado de companheiros espirituais, Rivail, agora se utilizando do pseudônimo Allan Kardec — cuja nova certidão de nascimento foi lavrada na Livraria Dentu, a 18 de abril de 1857 —, atirou-se ao trabalho em seu gabinete em trabalho solo — não mais o concerto a quatro mãos — até altas horas da noite. Passou a estudar e a transmitir aos homens os aspectos experimentais da Doutrina Espírita. Estabeleceram-se, assim, as bases científicas do Espiritismo, com o surgimento, em 1861, de O Livro dos Médiuns.

A Europa estava mergulhada na ideia do nada, no niilismo, que considerava crenças e valores tradicionais como infundados e a existência sem qualquer sentido ou utilidade. Nos últimos 150 anos a ciência oficial, em oposição à intolerância e ao autoritarismo dos religiosos da Idade Média e aos absurdos da Inquisição, assumiu articulada reação materialista, abandonou sua origem espiritualista e passou a trilhar uma estrada sem saída.

Foi esse o berço da Doutrina Espírita, nos meados do século XIX. Não por acaso, no limiar de suas publicações, Allan Kardec não falou em religião, sob pena de ver, da noite para o dia, seus esforços de codificação prematuramente soterrados pelo autoritarismo, fanatismo e materialismo da época.

Depois de esperar por sete anos, no mesmo mês de abril em que fora lançado O Livro dos Espíritos, Allan Kardec trouxe a lume a obra que iria dotar o Espiritismo de estrutura ética. Não precisou, contudo, de uma nova moral. Já existia a moral do Cristo, que, com a passagem dos séculos, ficara soterrada pelas paixões humanas.

Allan Kardec teve o cuidado de reduzir os atritos e controvérsias, buscando nos Evangelhos apenas os seus ensinamentos morais. O conteúdo moral do Evangelho é, pois, de caráter universal, faltando à humanidade tão somente a vivência dos postulados cristãos.

O Espiritismo veio reavivar a doutrina do Cristo, para que a humanidade desperte, enfim, do marasmo que o orgulho e a vaidade, esteados no egoísmo, mantêm a Terra sob o domínio dos maus.

Os espíritos esclarecem que essa grande transformação se verificará por meio da encarnação de espíritos melhores, que constituirão na Terra uma nova geração. Os que insistem em deter a marcha evolutiva programada pelos dirigentes maiores do nosso planeta serão daqui excluídos e irão para mundos novos, menos adiantados, desempenhar missões penosas, trabalhando pelo seu próprio adiantamento, ao mesmo tempo que trabalharão pelo progresso de irmãos mais atrasados desses orbes.

Naturalmente, cada um de nós racionalizará seu atual comportamento, autoincluindo-se entre os escolhidos. Devemos nos perguntar: Já aprendemos a respeitar a vida e a trabalhar pelo bem comum? Como temos reagido diante de pessoas que não comungam nosso modo de pensar e nos contrariam? Somos hoje melhores do que ontem ou ainda insistimos em resolver nossas questões com aspereza e violência? Caso venhamos a desencarnar brevemente, podemos nos considerar habilitados a continuar orbitando em torno do planeta Terra, ou teremos que procurar outra morada cuja temperatura lembrará a fornalha ardente, citada metaforicamente por Jesus?

Por mais que dignifiquemos a obra de Rivail/Kardec, não chegaremos nem perto das agruras, dificuldades e bombardeios morais e filosóficos que sofreu para nos legar o Espiritismo. Com justeza, temos que reconhecer a epopeia de sua vida e de sua obra.

Não bastará, todavia, apenas o esforço do reconhecimento.

As grandes ideias dos espíritos ordenadores da humanidade, traduzidas por Allan Kardec em linguagem humana acessível, poderão se perder no limbo de nossa ignorância e indolência.

Mais do que nunca será preciso formular um plano de trabalho, aceitar a necessidade de reformulação de nossas tendências e entender que as mudanças preconizadas pelos espíritos deverão partir de nós mesmos.

 

REFERÊNCIAS: A Caminho da Luz, Emmanuel; O Evangelho Segundo o Espiritismo, O Livro dos Espíritos e A Gênese, Allan Kardec; Abaixo a depressão, Richard Simonetti; Cartas e Crônicas, Irmão X; Gabriel Delanne – O Apóstolo do Espiritismo, Heleuse Rousie; A evolução anímica. Introdução. Gabriel Delanne; Nas fronteiras do além, Hermínio Miranda.