Estou muito Feio, Filho, pega a Dentadura para Mim

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Com 84 anos de idade, meu pai caiu e fraturou a bacia – acidente muito comum nessa idade. Após a cirurgia, levaram-no para a sala de recuperação. Quando voltou da anestesia, deixaram-me vê-lo.

Ele estava totalmente consciente e já queria levantar-se…..

– Calma, pai, o que aconteceu? – perguntei.

– Estou muito feio, pega a dentadura para mim, filho. Está ali naquele copo sobre a mesa.

Meu pai era vaidoso, sempre cuidou bem da saúde e aparência.

Quando o ouvi, lembrei-me que não tinha dentes. E minha mãe – já desencarnada naquela época – também não. Segurei o pranto que veio inesperadamente naquele momento. Um sentimento de ternura encheu-me a alma. Como recompensá-los por tudo que fizeram por mim?

Num átimo, comecei a refletir naqueles anos difíceis que tiveram para criar os 4 filhos. Meu pai foi ferroviário e minha mãe costureira. Lembro-me que ela trabalhava até 18 horas por dia. Queixava-se de dores nas pernas e costas, mas não desistia. Muitas vezes eu acordava de madrugada para ir ao banheiro e já ouvia o barulho da máquina de costura. Nunca foram ambiciosos. Não acumularam bens, somente, a muito custo, adquiriram uma casinha na Boa Vista – naquela época, bairro de periferia, sem asfalto. Foi o que nos deixaram de herança material.

Mas nunca permitiram que nos faltasse o essencial. Viviam na simplicidade e ofereciam estudo (material escolar, porque a escola pública tinha qualidade) e alimentação aos filhos, “obrigações” muito comum dos pais naqueles tempos difíceis.

Quantas privações e dificuldades sofreram para nos criar. Quantas lágrimas enxugaram em silêncio.

Dentista era artigo de luxo, muito luxo, por isso só tinham dinheiro para pagar para os filhos e que tiravam de pequenas economias guardadas durante anos. Eles podiam ficar banguelas, mas os filhos, não!

Um dia minha mãe me chamou e disse: – Filho, a partir de hoje você só poderá comprar um sorvete por semana. Quando o Sr. Alcides (sorveteiro) passar por aqui na terça-feira dou-lhe o dinheiro. Ah! com que expectativa aguardava o dia chegar. Apesar de a minha mãe ter estudado até a quarta série primária, possuía um português invejável. Até hoje é raro eu encontrar alguém que use tão bem o pretérito perfeito do indicativo e o presente do subjuntivo como ela.

minha mae

Todos nós temos histórias guardadas nas lembranças parecidas com essas e que vão desaparecer da Terra quando desencarnarmos, mas ficarão no nosso coração para a eternidade.

O que aprendi com eles? Nossa, muita coisa. De tudo um pouco, pois ajudou na minha formação: simplicidade, valorização da vida e sentimento de gratidão por tudo que “conquistei”, determinação, força de vontade, honestidade e fé inabalável em Deus.

Mário, meu pai, você não estava feio sem a dentadura. Estava lindo, como sempre foi.

Clarice, minha mãe, sua renúncia e abnegação são o prêmio com que Jesus lhe coroou a existência de luz que vive agora.

Muito obrigado por tudo. Seus exemplos são o farol a clarear os caminhos escuros da minha vida na Terra.

Amo vocês.

A existência terrestre, efetivamente, impõe angústias inquietantes e aflições amargosas. É conveniente, contudo, que as criaturas guardem serenidade e confiança nos momentos difíceis.

As penas e os dissabores da luta planetária contêm esclarecimentos profundos, lições ocultas, apelos grandiosos. A voz sábia e amorosa de Deus fala sempre através deles.

Emmanuel.

Fernando Rossit