Fake News e Responsabilidade Cristã

São muitos os “falsos profetas” que se protegem no anonimato dos recursos tecnológicos.

Um fenômeno singular e preocupante que tem marcado a era digital e altamente conectada em que vivemos é, sem dúvida, o das chamadas fake news, isto é, a divulgação e a disseminação pelas mídias e redes sociais de notícias falsas de toda espécie.

Segundo reportagem do jornal Estado de Minas, de janeiro de 2018: “Um levantamento realizado pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai) da Universidade de São Paulo (USP) revela que essa ameaça é bem maior do que se imaginava. Somente nas redes sociais, 12 milhões de brasileiros compartilham informações inverídicas, as chamadas fake news.”[1]

Outra reportagem, desta vez da Folha de S. Paulo, de março de 2018, evidencia ainda mais a dimensão do problema ao relatar os resultados de uma pesquisa realizada pelo renomado MIT (Massachusetts Institute of Technology), que concluiu: “Notícias falsas, as chamadas fake news, espalham-se pelas redes sociais de forma mais rápida, mais fácil e mais ampla do que as notícias reais. O motor da mentira não é composto só por robôs. São as próprias pessoas que, levadas por sentimentos de surpresa, repulsa e medo, compartilham as fake news de forma abundante.”[2]

Diante desse cenário e dos momentos pelos quais a civilização terrestre passa atualmente, é quase inevitável a associação com uma das falas de Jesus em seu conhecido Sermão Profético, em que, desvelando os séculos futuros, o Divino Mestre nos revelava algumas das características do processo de transição planetária, ora em curso na Terra: “E surgirão muitos falsos profetas, e enganarão a muitos. E, por se multiplicar a iniquidade, o amor de muitos esfriará.”[3]

De fato, quantos não têm sido os “falsos profetas” que se aproveitam do anonimato que os recursos tecnológicos lhes proporcionam para semear a mancheias a falsidade, buscando atender a seus interesses mesquinhos – muitas vezes criminosos –, em detrimento da ética e da paz, da ordem e da harmonia social? Quantas calúnias, difamações e maledicências, sempre tão prejudiciais, não têm tido aí a sua origem? Por outro lado, quantos não têm sido aqueles que, invigilantes e imprudentes, têm contribuído para que essa problemática se amplie, divulgando e compartilhando conteúdos falsos e duvidosos em suas mídias e redes sociais? E, pior, quantos destes não pertencem às fileiras espíritas e cristãs?

Como consequência, acaba por estabelecer-se na sociedade um ambiente de crescente desconfiança, insegurança e medo, onde se proliferam os antagonismos, as dissidências, a revolta, o ódio, enfim, o egoísmo com todas as suas consequências lamentáveis para a vida social, especialmente nos momentos de crise. Abalam-se, assim, as relações entre os indivíduos, que passam muitas vezes a enxergar seu semelhante como um inimigo em potencial, com algum interesse oculto em prejudicar-lhe. A mesma lógica se aplica às instituições. Com isso, muitos acabam por colocar-se na defensiva em relação aos demais, isolando-se cada vez mais no cárcere do próprio egoísmo. Da “abundância da iniquidade”, o amor e a caridade de muitos termina por “esfriar”, exatamente como descrito pelo Cristo, há dois mil anos, e como reforçado por Fénelon, em O Livro dos Espíritos:

“O choque, que o homem experimenta, do egoísmo dos outros é o que muitas vezes o faz egoísta, por sentir a necessidade de colocar-se na defensiva. Notando que os outros pensam em si próprios e não nele, ei-lo levado a ocupar-se consigo, mais do que com os outros.”[4]

Naturalmente, as repercussões negativas desse crescente egoísmo logo se fazem sentir na sociedade como um todo, e mesmo na família, conforme sintetizado por Pascal em O Evangelho Segundo o Espiritismo:

“O egoísmo é a negação da caridade. Ora, sem a caridade não haverá descanso para a sociedade humana. Digo mais: não haverá segurança. Com o egoísmo e o orgulho, que andam de mãos dadas, a vida será sempre uma carreira em que vencerá o mais esperto, uma luta de interesses, em que se calcarão aos pés as mais santas afeições, em que nem sequer os sagrados laços da família merecerão respeito.”[5]

No que diz respeito a nós, espíritas, de maneira mais específica, podemos identificar um sem-número de mensagens e alertas falsamente atribuídos a lideranças, expositores, médiuns e Espíritos reconhecidos em nosso meio sendo compartilhados sem qualquer análise ou critério, em total contradição com o espírito de ponderação, lógica e bom senso apresentado pelo Codificador. Mais do que isso, menosprezando muitas vezes a fé raciocinada e a própria caridade cristã, que deveriam ser os elementos norteadores de cada uma de nossas ações.

Quantos males, desse modo, não têm nascido dessa postura invigilante e imprudente que, distanciada do senso de responsabilidade e da sensatez, não medita no alcance e nas consequências de suas ações? Males que afetam a nós mesmos e à sociedade, como também à própria Doutrina Espírita, tantas vezes associada ao sensacionalismo e à superstição em mensagens inverídicas que acabam por deturpá-la e diminuí-la perante muitos.

Por esse motivo, alerta-nos o benfeitor Emmanuel categoricamente:

“Falsos discursos enganaram indivíduos, famílias e nações. Acreditaram alguns em promessas vãs, outros em teorias falaciosas, outros, ainda, em perspectivas de liberdade sem obrigações. E raças, agrupamentos e criaturas, identificando a ilusão, atritam-se, mutuamente, procurando a paternidade das culpas.

“Muito sangue e muita lágrima tem custado a criação do verbo humano. Impossível, por agora, computar esse preço doloroso ou determinar quanto tempo se fará necessário ao resgate preciso.”[6]

É imprescindível, portanto, que nós, espíritas e cristãos, repensemos nossa postura diante desse quadro, a fim de que não nos contemos também entre esses falsos profetas que contribuem para a manutenção desse estado de coisas. É preciso que meditemos em qual tem sido a influência que temos causado naqueles que nos cercam, no tipo de emoções, pensamentos e ideias que temos semeado em seus corações e mentes.

Sejamos, antes, profetas da paz, da alegria e da esperança. Da educação, da verdade e do bem. Enfim, profetas de um novo tempo, de uma nova sociedade, em que a fraternidade, a caridade e o cumprimento do dever sejam realmente as bases das relações entre indivíduos e nações. Os verdadeiros profetas, que, conforme definem os Espíritos Superiores, são homens de bem[7], comprometidos com o bem coletivo e com as Leis do Criador.

Nesse sentido, vale aqui recordar os três crivos de Sócrates resgatados por Irmão X em um de seus textos[8]: verdade, bondade e utilidade. Parafraseando o grande filósofo: “se o que intentamos passar adiante não é nem verdadeiro, nem bom e nem útil”, por que então fazê-lo? Se o conteúdo que iremos compartilhar não estimulará aqueles que o receberem a ser melhores, mais comprometidos com a verdade, com o bem e com o serviço aos semelhantes, por que então repassá-lo?

Busquemos, assim, analisar cuidadosamente cada notícia, mensagem ou informação que nos chega antes de passá-la adiante. Verifiquemos, antes de tudo, a sua procedência, se é verdadeira e confiável. Procuremos identificar a fonte original que a veiculou e a data em que isso se deu ou a obra de onde foi retirada. Em se tratando do discurso ou da fala de alguma autoridade política, civil ou religiosa, busquemos averiguar se realmente foi dita pelo indivíduo ao qual é atribuída. No caso específico de mensagens ou discursos atribuídos a Espíritos ou personalidades reconhecidas em nosso movimento espírita, além de verificar a sua origem, analisemos também o seu conteúdo doutrinário, a sua clareza, a sua coerência, a sua fidelidade aos princípios básicos da Doutrina Espírita e do Evangelho. Desconfiemos daquelas com algum caráter de misticismo, superstição ou sensacionalismo, ou daquelas que incitam a revolta, a violência e a desesperação, uma vez que o Espiritismo não se coaduna com tais características.

Somente agindo com cuidado estaremos minimamente precavidos para passar adiante um determinado conteúdo com mais segurança, contribuindo para a criação e a manutenção de uma ambiência social mais harmônica e, por conseguinte, para a atuação do Cristo e dos seus Mensageiros no mundo e em nosso próprio lar.

Estejamos, pois, vigilantes e despertos para a grave responsabilidade que temos por tudo aquilo que veiculamos diariamente através das nossas mídias e redes sociais, e mesmo em nossas conversas casuais, atentos às importantes advertências de Emmanuel para todos nós:

“Qual é o caminho que a nossa atitude está indicando?

“Um pouco de fermento leveda a massa toda. Não dispomos de recursos para analisar a extensão de nossa influência, mas podemos examinar-lhe a qualidade essencial.

“Acautela-te, pois, com o alimento invisível que forneces às vidas que te rodeiam.”[9]

Artur Valadares

arturvaladares@gmail.com

Fonte: O Clarim

Referências:

  1. Portal Jornal Estado de Minas. 12 milhões de brasileiros compartilham fake news, diz pesquisa. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2018/01/02/interna_politica,928147/12-milhoes-de-brasileiros-compartilham-fake-news-diz-pesquisa.shtml
  2. Portal Folha de S. Paulo. Fake news apelam e viralizam mais do que notícias reais, mostra estudo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/03/fake-news-apelam-e-viralizam-mais-do-que-noticias-reais-mostra-estudo.shtml
  3. Mateus, 24:11,12.
  4. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Q. 917.
  5. KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Cap. 11, it. 12.
  6. XAVIER, Francisco Cândido. Pão Nosso. Cap. 165.
  7. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Q. 624.
  8. XAVIER, Francisco Cândido. Aulas da Vida. Pelo Espírito Irmão X. Cap. 28.
  9. XAVIER, Francisco Cândido. Fonte Viva. Cap. 108.