Foi uma fatalidade…

A expressão que dá título a este ensaio é muito utilizada no cotidiano, para justificar acontecimentos que não temos explicações plausíveis.

Deixa a impressão de que foi a vontade de Deus, e que não temos alternativa senão a de nos acomodarmos aos Seus desígnios, vivendo como marionetes, sem termos participação ativa nos acontecimentos da vida.

A vida tem um propósito, que é o de dar ao espírito condições de atingir a perfeição, conforme nos esclarece o Consolador Prometido por Nosso Senhor Jesus Cristo (1):

“Qual é o objetivo da encarnação dos Espíritos?
A Lei de Deus lhes impõe a encarnação com o objetivo de fazê-los chegar à perfeição. Para uns é uma expiação; para outros é uma missão. Mas, para chegar a essa perfeição, devem sofrer todas as tribulações da existência corporal: é a expiação. A encarnação tem também um outro objetivo: dar ao Espírito condições de cumprir sua parte na obra da criação…” (2)

Para o ser consciente de suas condições e possibilidades de progresso, condicionado ao merecimento, a participação no planejamento de sua futura existência física é, segundo os Benfeitores Espirituais, condição comum às criaturas:

“Na espiritualidade, antes de começar uma nova existência corporal, o Espírito tem consciência e previsão das coisas que acontecerão durante sua vida?
Ele mesmo escolhe o gênero de provas que quer passar. Nisso consiste seu livre-arbítrio.” (3)

Porém, para que não restassem dúvidas a respeito, ao estudar a Lei de Liberdade, Allan Kardec, o eminente codificador da Doutrina Espírita, questionou:

“Haverá fatalidade nos acontecimentos da vida, conforme o sentido que se dá a essa palavra, ou seja, todos os acontecimentos são predeterminados? Nesse caso, como fica o livre-arbítrio?

A fatalidade existe apenas na escolha que o Espírito fez ao encarnar e suportar esta ou aquela prova. E da escolha resulta uma espécie de destino, que é a própria conseqüência da posição que ele próprio escolheu e em que se acha. Falo das provas de natureza física, porque, quanto às de natureza moral e às tentações, o Espírito, ao conservar seu livre-arbítrio quanto ao bem e ao mal, é sempre senhor para ceder ou resistir. Um bom Espírito, ao vê-lo fraquejar, pode vir em sua ajuda, mas não pode influir de modo a dominar sua vontade. Um Espírito mau, ao lhe mostrar de forma exagerada um perigo físico, pode abalá-lo e assustá-lo. Porém, a vontade do Espírito encarnado está constantemente livre para decidir.” (3)

O esquecimento do que foi proposto pelo próprio espírito é justificado:

“A cada nova existência o homem tem mais inteligência e pode melhor distinguir o bem do mal. Onde estaria o mérito, ao se lembrar de todo o passado? Quando o Espírito volta à sua vida primitiva (a vida espírita), toda sua vida passada se desenrola diante dele; vê as faltas que cometeu e que são a causa de seu sofrimento e o que poderia impedi-lo de cometê-las. Compreende que a posição que lhe foi dada foi justa e procura então uma nova existência em que poderia reparar aquela que acabou. Escolhe provas parecidas com as que passou ou as lutas que acredita serem úteis para o seu adiantamento, e pede a Espíritos Superiores para ajudá-lo nessa nova tarefa que empreende, porque sabe que o Espírito que lhe será dado por guia nessa nova existência procurará fazê-lo reparar suas faltas, dando-lhe uma espécie de intuição das que cometeu.” (4)

Não podemos negligenciar o uso da inteligência para entendimento racional das circunstâncias. As prevenções, cuidados e  planejamentos são atribuições nossas na vida física, e se nos deixarmos levar pela precipitação e ansiedade estaremos expostos a acontecimentos decorrentes que nem sempre teríamos necessidades de vivenciar.

O Benfeitor Espiritual André Luiz nos esclarece:

“Incorporando a responsabilidade, a consciência vibra desperta e, pela consciência desperta, os princípios de ação e reação funcionam, exatos, dentro do próprio ser, assegurando-se a liberdade de escolha e impondo-lhe, mecanicamente os resultados respectivos, tanto na esfera física quanto no Mundo Espiritual. (5)

Alguns acontecimentos que estão previstos são inevitáveis em função de necessidades espirituais maiores, outros poderão ser evitados com o simples uso da reflexão, do bom senso e da oração, conforme asseverou o Senhor Jesus, e sempre será infrutífero buscar identificar uma e outra coisa na tentativa de melhor proveito das situações. O melhor é vivermos confiantes na justiça divina, fazendo a nossa parte, porque, na Sua perfeição, Deus está fazendo a Dele, afinal de contas “não cai uma folha de árvore sem que Ele o saiba”.

Pensemos nisso.

Antônio Carlos Navarro

Referências:
1) João 14:26;
2) O Livro dos Espíritos, questão 132;
3) O Livro dos Espíritos, questão 258;
4) O Livro dos Espíritos, questão 393; e
5) Evolução em Dois Mundos, cap. 11 – Existência da alma.

Nota do editor:
Imagem ilustrativa e em destaque disponível em
<http://sjoartigosreligiosos.tumblr.com/page/5>. Acesso em: 05ABR2016.