Jesus e a Violência dos Cristãos
- Atualidades
- 03/11/2024
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Não é de política que vou falar, por enquanto. Vou falar de humanismo, de cristianismo, de fraternidade. Estamos mergulhados numa onda de ódio, de radicalismo fascista, de rejeição ao bom senso.
E a quem podemos recorrer para inspirar nossas ações, nossas palavras, nossos pensamentos? Se nos pretendemos cristãos, sejamos católicos, evangélicos ou espíritas, ou simplesmente simpatizantes de Cristo, é justamente a ele que devemos apelar: para os seus ensinos, para o seu exemplo, para o seu legado. Jesus puro e simples e não aos cristãos, que dizem segui-lo.
Cristãos já fizeram as Cruzadas, já incendiaram gente na Inquisição, participaram e participam de grupos racistas e violentos, como a Ku-klux-klan, apoiaram o nazismo e perseguiram judeus e muçulmanos, séculos afora…
Mas será que, ao fazerem tudo isso, chegaram alguma vez perto de seu Mestre, foram semeadores do seu Reino nesse mundo? Ou a cada gesto de violência e intolerância, guerra e morticínio, retardaram a vinda do Reino e espalharam as sombras do fanatismo e da ignorância?
De novo hoje, vemos cristãos que não entendem Jesus, ou pelo menos, acham-no talvez um tanto utópico, um tanto mole, um tanto romântico, inaquedado para a dureza de nosso mundo e dos nossos tempos.
Não, Jesus não era um covarde, assim como não o foram seus verdadeiros seguidores, como Francisco de Assis, Gandhi (que apesar de hindu, se inspirava também no Sermão da Montanha), Martin Luther King e tantos outros, que enfrentaram a perseguição, a prisão e até a morte, para semear o Reino da verdade e da fraternidade no mundo.
O verdadeiro cristão não fere, não julga, não mata, não tem desejos de extermínio, tormento e castigo do outro. O verdadeiro cristão acolhe, perdoa, se compadece, entende que a violência do outro é doença, ignorância e não se rebaixa com mais violência, mas eleva-se em exemplo de paz, em proposta de educação. “Não julgueis para não serdes julgados”, “Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra!”
O verdadeiro cristão não discrimina, não fere, não grita, não favorece a guerra, não anda armado, não condena a sexualidade alheia. “Quem estiver sem pecado, atire a primeira pedra!” “Quem com ferro fere, com ferro será ferido”. Essa frase, aliás, foi dita a Pedro, no momento em que ele, Mestre, estava sendo preso e o apóstolo sacou de uma espada para defender Jesus. Nesse minuto, recebeu a lição máxima da não-violência: é melhor ser injustiçado do que injustiçar, ser ferido do que ferir, ser preso, torturado e morto, do que prender, torturar e matar…
Essa é a filosofia cristã… por isso, durante 300 anos, os primeiros cristãos se entregavam aos leões da arena romana, cantando seu perdão e orando pelos algozes.
Quem acha tudo isso rematada loucura, fraqueza ou utopia, não entendeu a mensagem de Jesus e ainda está vivendo os valores da velha Roma, em que é preciso lavar a honra com sangue e em que perdoar é indignidade e humilhação.
Nosso problema central é que depois de 300 anos sendo vítimas pacíficas da perseguição romana, os cristãos ascendem ao poder, pelas mãos de Constantino, funda-se a Igreja Católica Apostólica Romana e, de mártires, pouco a pouco, os cristãos se tornam perseguidores, inquisidores, guerreiros, poderosos – tudo em nome de Jesus, num permanente sofisma histórico!
Desde então, vivemos nessa contradição absurda: uma civilização que se diz seguidora de Jesus, mas que é constituída de Estados militarizados, de policiamento aos indivíduos, de repressão à liberdade, de descrença na fraternidade entre os seres humanos. Sociedades construídas em bases de violência, exploração e exclusão. Foi por isso que Tolstoi entendeu o cristianismo como uma forma de anarquismo, com a abolição de todos os poderes, porque todos são sustentados pela violência institucional.
Somos cristãos, discípulos de um Mestre que tinha entre seus seguidores mulheres de todas as condições e inclusive, após a morte, apareceu em primeiro lugar para uma mulher – mas a nossa civilização violenta, desrespeita, oprime a mulher…
Somos cristãos, discípulos de um Mestre que amava as crianças e dizia que deveríamos ser como elas, para ganhar o Reino dos Céus, e a nossa civilização ainda abusa, violenta, escraviza e domestica a criança…
Somos cristãos, discípulos de um Mestre que disse que deveríamos nos amar uns aos outros, como ele nos amou, e nossos Estados, a polícia e muitos cidadãos consideram natural matar, guerrear, torturar…
Somos cristãos, discípulos de um Mestre que andava com gente que era considerada ralé em sua época – prostitutas, escribas, cobradores de impostos – e consideramos desculpável discriminar (e até matar!!) alguém por sua orientação sexual.
Somos cristãos, discípulos de um Mestre que disse que seus seguidores viriam do Ocidente e do Oriente e pregou e viveu a fraternidade universal e praticamos durante séculos a escravidão de africanos e ainda estamos estruturados socialmente no racismo, na desigualdade, na exclusão social…
Jesus amado! Tanta clareza usaste, palavras tão poéticas, diretas e simples… Exemplos tão tocantes, arrebatadores e fortes! E parece que a maioria nada entendeu. Ou vamos descobrindo passo a passo, cada qual no seu ritmo evolutivo (Gandhi dizia que o bem anda na velocidade de uma lesma!!!) que: violência só gera violência, que o amor cobre a multidão de pecados e que o Reino só virá pela fraternidade entre todos os seres humanos!
O princípio da não-violência não nos induz à omissão, à covardia, à moleza de atitudes ou ao silêncio de quem consente com toda sorte de violência. A prática da não-violência é a resistência ao mal; é a luta pacífica, sem ódio, mas com firmeza; é a permanente semeadura de valores como dignidade humana, respeito a todas as criaturas, igualdade de direitos e justiça!
Justiça que não é vingança ou punição, massacre e ódio. Justiça que é o pão para todos, a vida respeitada, a educação garantida, a saúde cuidada e o crime, se existir nas condições de uma sociedade justa e bem organizada, tratado como um problema psíquico a ser cuidado e não como um motivo para arrancar do criminoso a sua dignidade e a sua capacidade de superação e educação.
Dora Incontri