A Passagem de Richet
- Doutrina Espirita
- 15/02/2023
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Escrito por: Chico Xavier
Ditado por: Humberto de Campos
Capítulo: A Passagem de Richet
O Senhor tomou lugar no tribunal da sua justiça e, examinando os
documentos que se referiam ás atividades das personalidades eminentes
sobre a Terra, chamou o Anjo da Morte, exclamando:
Nos meados do século findo, partiram daqui diversos servidores da
Ciência que prometeram trabalhar em meu nome no orbe terráqueo,
levantando a moral dos homens e suavisando-lhes as lutas. Alguns já
regressaram, enobrecidos nas ações dignificadoras, nesse mundo
longínquo. Outros, porém, desviaram-se dos seus deveres e outros ainda
lá permanecem, no turbilhão das duvidas e das descrenças, laborando no
estudo.
“Lembras-te daquele que era aqui um inquieto investigador, com as
suas analises incessantes, e que se comprometeu a servir os ideais da
Imortalidade, adquirindo a fé que sempre lhe faltou?
— “Senhor aludis a Charles Richet, reencarnada em Paris, em 1850,
e que escolheu uma notabilidade da medicina para lhe servir de pai?”.
— “Justamente. Pelas noticias dos meus emissários, apesar da sua
sinceridade e da sua nobreza, Richet não conseguiu adquirir os elementos
de religiosidade que fora buscar, em favor do seu próximo. Tens
conhecimento dos favores que o Céu lhe tem adjudicado, no transcurso da
sua existência?”.
— “Tenho, Senhor. Todos os vossos mensageiros lhe cercaram a
inteligência e a honestidade com o halo da vossa sabedoria. Desde os
primórdios das suas lutas na Terra, os Gênios da Imensidade o rodeiam
com o sopro divino de suas inspirações. Dessa assistência constante lhe
nasceram os poderes intelectuais, tão cedo revelados no mundo. Sua
passagem pelas academias da Terra, que serviu para excitar a potencia
vibratória da sua mente, em favor da ressurreição do seu tesouro de
conhecimentos, foi acompanhada pelos vossos emissários com especial
carinho. Ainda na mocidade, lecionou na Faculdade de Medicina, obtendo
a cadeira de Fisiologia. Nesse tempo, já seu nome, com os vossos
auxílios, estava cercado de admiração e respeito. As suas produções
grangearam-lhe a veneração e a simpatia dos seus contemporâneos. De
1877 a 1884, publicou estudos notáveis sobre a circulação do sangue,
sobre a sensibilidade, sobre a estrutura das circunvoluções celebrais, sobre
a fisiologia dos músculos e dos nervos, perquirindo os problemas graves
do ser, investigando no circulo de todas as atividades humanas,
conquistando o seu nome a admiração universal.”
— “E em matéria de espiritualidade, replicou austeramente o
Senhor, que lhe deram os meus emissários e de que forma retribuiu o seu
espírito a essas dádivas?”.
— “Nesse particular, exclamou solicito o Anjo, muito lhe foi dado.
Quando deixastes cair, mais intensamente, a vossa luz sobre os mistérios
que me envolvem, ele foi dos primeiros a receber-lhe os raios fulgurantes.
Em Carqueiranne, em Milão e na ilha Roubaud, muitas claridades o
bafejaram, junto de Eusapia Paladino, quando o seu gênio se entregava a
observações positivas, com os seus colegas Lodge, Myers e Sidwick. De
outras vezes, com Delanne, analisou as celebres experiências de Alger,
que revolucionaram os ambientes intelectuais e materialistas da França,
que então representava o cérebro da civilização ocidental.
“Todos os portadores das vossas graças levaram as sementes da
Verdade á sua poderosa organização FÍSICA, apelando para o seu
coração, afim de que cite afirmasse as realidades da sobrevivência;
povoaram-lhe as noites de severas meditações, com as imagens
maravilhosas das vossas verdades, porém, apenas conseguiram que ele
escrevesse o Tratado de Metapsíquica e um estudo proveitoso, a favor da
concórdia humana, que lhe valeu o Premio Nobel da Paz, em 1913.
“Os mestres espirituais não desanimaram, nem descansaram nunca
em torno da sua individualidade; mas, apesar de todos os esforços
despendidos, Rechia viu, nas expressões fenomenológicas de que foi
atento observador, apenas a exteriorizarão das possibilidades de um sexto
sentido nos organismos humanos. Ele que fora o primeiro organizador de
um dicionário de fisiologia, não se resignou a ir além das demonstrações
histológicas. Dentro da espiritualidade, todos os seus trabalhos de
investigador se caracterizam pela duvida que lhe martiriza a
personalidade. Nunca pode, Senhor, encarar as verdades imortalistas,
senão como hipótese, mas o seu coração é generoso e sincero.
Ultimamente, nas reflexões da velhice, o grande lutador se veio
inclinando para a fé, até hoje inaccessível ao seu entendimento de
estudioso. Os vossos mensageiros conseguiram inspirar-lhe um trabalho
profundo, que apareceu no planeta como “A Grande Esperança” e, nestes
últimos dias, a sua formosa inteligência realizou para o mundo uma
mensagem entusiástica, em prol dos estudos espiritualistas.
— “Pois bem, exclamou o Senhor, Richet terá de voltar agora a
penates. Traze de novo aqui a sua individualidade, para as necessárias
interpelações.”.
— “Senhor, assim tão depressa? — retornou o Anjo, advogando a
causa do grande cientista — O mundo vê em Richet um dos seus gênios
mais poderosos, guardando nele sua esperança. Não conviria protelar a
sua permanência na Terra, afim de que ele vos servisse, servindo á
Humanidade?”.
— “Não — disse o Senhor tristemente. — Se, após oitenta e cinco
anos de existência sobre a face da Terra, não pode reconhecer, com a sua
ciência, a certeza da Imortalidade, é desnecessária a continuação de sua
estadia nesse mundo. Como recompensa aos seus esforços honestos em
beneficio dos seus irmãos em humanidade, quero dar-lhe agora, com o
poder do meu amor, á centelha divina da crença, que a ciência planetária
jamais lhe concedeu, nos seus labores ingratos e frios.”.
No leito de morte, Richet tem as pálpebras cerradas e o corpo na
posição derradeira, em caminho da sepultura. Seu espírito inquieto de
investigador não dormiu o grande sono.
Há ali, cercando-lhe os despojos, uma multidão de fantasmas.
Gabriel Delanne estende-lhe os braços de amigo. Denis e
Flammarion o contemplam com bondade e carinho. Personalidades
eminentes da França antiga, velhos colaboradoras da “Revista dos
Mundos” cooperadores devotados dos “Anais das Ciência Físicas” ali
estão, para abraçarem o mestre no limiar do seu tumulo.
Richet abre os olhos para as realidades espirituais que lhe eram
desconhecidas. Parece-lhe haver retrocedido ás materializações da Vila
Carmem; mas, ao seu lado, repousam os seus despojos, cheios de detalhes
anatômicos. O eminente fisiologista reconhece-se no mundo dos
verdadeiros vivos. Suas percepções estão intensificadas, sua
personalidade é a mesma e, no momento em que volve a atenção para a
atitude carinhosa dos que o rodeiam, ouve uma voz suave e profunda
falando do Infinito:
— “Richet, exclama o Senhor no tribunal da sua misericórdia,
porque não afirmaste a Imortalidade, e porque desconheceste o meu nome
no teu apostolado de missionário da ciência e do labor? Abri todas as
portas de ouro que te poderia reservar sobre o mundo. Perquiriste todos os
livros. Aprendeste e ensinaste, fundaste sistemas novos do pensamento, á
base das duvidas dissolventes. Oitenta e cinco anos se passaram,
esperando eu que a tua honestidade me reconhecesse, sem que a fé
desabrochasse em teu coração… Todavia, decifraste, com o teu esforço
abençoado, muitos enigmas dolorosos da ciência do mundo e todos os
teus dias representaram uma sede grandiosa de conhecimentos… Mas, eis,
meu filho, onde a tua razão positiva é inferior á revelação divina da fé.
Experimentaste as torturas da morte com todos os teus livros e diante dela
desapareceram os teus compêndios, ricos de experimentações no campo
das filosofias e das ciências. E agora, premiando os teus labores, eu te
concedo os tesouros da fé que te faltou, na dolorosa estrada do mundo!”.
Sobre o peito do abnegado apostolo, desce do Céu um punhal de luz
opalina, como um vernábulo maravilhoso de luar indescritível.
Richet sente o coração tocado de luminosidade infinita e
misericordiosa, que as ciência nunca lhe haviam dado. Seus olhos são
duas fontes abundantes de lagrimas de reconhecimento ao Senhor. Seus
lábios, como se voltassem a ser os lábios de um menino recitam o “Pai
Nosso que estais no Céu…”.
Formas luminosas e aéreas arrebatam-no, pela estrada de Eder da
eternidade e, entre prantos de gratidão e de alegria, o apostolo da ciência
caminhou da grande esperança para a certeza divina da Imortalidade.
Pedro Leopoldo, 21 de janeiro de 1936..
Originally posted 2015-05-28 11:10:17.