Quando a Alma Adoece

Sidney Fernandes – 1948@uol.com.br

 — Oh, bom mestre. Quem bem hei de fazer para alcançar a vida eterna?

Assim eu me dirigia a Richard Simonetti, em tom de brincadeira, quando o encontrava nos corredores do nosso centro, lembrando texto de antiga palestra que proferíamos juntos.

— Toma juízo, meu filho! Era a sua indefectível resposta, correspondendo ao meu gracejo.

Falta de juízo! Deixando a pilhéria de lado, não é exatamente o que mais encontramos nos dias atuais? Se estivéssemos nos referindo apenas aos que fazem coisas erradas repetidamente, por imaturidade ou falta de responsabilidade, até que não seria motivo de preocupação, pois a vida, num instante, corrige essas distorções.

A coisa fica mais séria, no entanto, ao constatarmos insanidades da mente humana, caracterizadas por pensamentos anormais, cujas origens remontam à perturbação ou à lesão cerebral.

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A alteração da faculdade mental, segundo Bezerra de Menezes, em seu magistral trabalho A Loucura Sob Novo Prisma, pode originar-se de lesões orgânicas ou por influência moral de um obsessor, ou por ambas, pois, geralmente, uma está atrelada à outra, com os mesmos sintomas, embora com causas de naturezas distintas.

Didaticamente, Dr. Bezerra relaciona hipotéticos casos em que as insanidades se devem, ora à incapacidade física de o cérebro cumprir sua função, ora pela interrupção da comunicação entre espírito e corpo, pela interposição dos fluidos de um obsessor.

E quando saímos do terreno das hipóteses e encontramos um caso real?

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Foi o que aconteceu comigo e com minha esposa, em uma de nossas caminhadas diárias. Abordados repentinamente por uma senhora desconhecida enquanto fazíamos nossa caminhada, estranhamos que ela quisesse, do nada, informações sobre o centro que frequentamos.

A princípio, solícitos, fornecemos os dados que ela nos pediu. A seguir, no entanto, estranhamos o seu comportamento. Começou a reclamar do marido, que ameaçava matá-la, depois da polícia e em seguida da mãe, do filho e de todas as instituições de que se lembrava.

Sou um pouco lerdo para essas coisas, mas não minha esposa. Assim que ela detectou o desequilíbrio de nossa interlocutora, simulou um compromisso inexistente para nos afastarmos da pobre senhora. Falante, utilizando vernáculo perfeito, seus argumentos eram convincentes, mas denotavam alguma anormalidade.

Mais tarde descobri que se tratava de portadora de condição delirante, na qual as pessoas afetadas acreditam estar sendo perseguidas. É o que os psicólogos chamam de delírio persecutório. O paciente acredita estar sendo atormentado, enganado, espionado ou ridicularizado, ou que alguém está querendo matá-lo ou envenená-lo.

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A Loucura Sob Novo Prisma

Diz Bezerra de Menezes que a perturbação mental pode surgir de ato reprovável do pretérito, como, por exemplo, quando alguém abusa do poder. Ao esmagar sua vítima, provocar seu afastamento de criaturas amadas e deixá-la na miséria, o agressor sujeita-se à fúria do seu desespero. Ao chegar à espiritualidade, o sofredor assumirá postura de vingança e procurará descobrir o paradeiro de seu verdugo. De lá, acompanhará sua nova existência e passará a aguardar, pacientemente, o momento adequado de cair sobre ele.

Os seus planos, entretanto, parecem não correr conforme esperava. O velho algoz assumiu inesperada postura de arrependimento e dignidade, que mantém o vingador a distância, através de verdadeiro anel iluminado, que o protege. O ofendido, todavia, não se dá por vencido e permanece rodeando o alvo, que nem imagina o quanto é vigiado e ameaçado.

De repente, quando as esperanças de vingança estavam quase extintas, eis que o velho inimigo claudica e se deixa seduzir por velha tendência negativa. Será por aquela inesperada brecha que o justiceiro penetrará e bombardeará habilmente as perturbações de sua alma, exacerbando-as, a fim de semear a sua perdição.

Ele subjugará a vontade do então verdugo, atualmente sua vítima, aproveitando-se de seus distúrbios orgânicos e morais, transformando-o em infeliz alienado, completamente entregue à sua sanha vingadora. E mais e mais o velho facínora acusará o ataque planejado, a ponto de se sentir esmagado e aprisionado, diante da invencível força magnética que o conduz à insanidade.

A ciência irá dizer que ele derivou para a senilidade, o espiritismo dirá que aqueles achaques originaram-se de processo obsessivo.

Psicose sob a visão espírita

É compreensível, sob a ótica espírita, que um espírito reencarne com lesões orgânicas, provocadas por atitudes negativas do passado, ou nasça sob a mira de vítima de outrora. E quando não existe lesão física, não há perseguição espiritual ostensiva e, ainda assim, manifesta-se a psicose.

Há espíritos que se mantêm estacionados por várias encarnações, repetindo a mesma maneira viciosa de agir. Freud, embora sem contar com a chave da reencarnação, ensinava que determinados indivíduos, diante de dificuldades ou problemas, tendem a agir da mesma forma, em repetitiva compulsão, presos a um mesmo padrão de comportamento. Acabam por agrupar-se com indivíduos da mesma sintonia, com os quais se afinizam.

Poderiam libertar-se daquele círculo vicioso? Certamente, se abrissem mão de velhos hábitos que os mantêm no egoísmo, no orgulho, na vaidade, na crueldade, na maledicência, na inveja, e outros tantos mais que os enredam em suas correntes. Se assim agissem, aprenderiam a ver o próximo com serenidade, compaixão e amor. Deixariam de ver nele um inimigo, e sim um irmão.

Quando reencarnam, veem-se presos a liames atávicos que os impelem a considerar tudo e todos como ameaças veladas, em ininterrupta teoria conspiratória. Para fugir de sua culpa interior, projetam nos outros a maldade, o ódio e a indiferença que, na verdade, encontram-se neles mesmos.

Com isso, tornam-se comuns os chamados delírios persecutórios, às vezes acompanhados de convincentes alucinações visuais e auditivas. Eles acreditam em suas fantasias e as debitam aos circunstantes.

Muitos recebem o diagnóstico de psicóticos, pois têm a sensação de serem seguidos, perseguidos, traídos e injustiçados. Para eles, todos falam mal a seu respeito e sabem de sua vida. Acreditam ler os pensamentos dos outros, atribuindo-lhes ideias das mais escabrosas. Se assistem a um programa de TV ou ouvem uma transmissão de rádio, julgam que personagens e apresentadores falam a seu respeito.

Oração e jejum

Se as doenças da alma pudessem ser debitadas apenas aos outros, como sói acontecer quando detectamos em nós alguma irregularidade orgânica ou psíquica, talvez bastasse seguir a recomendação registrada pelo evangelista Mateus, no expressivo episódio do menino endemoninhado, cujo pai procurou Jesus:

— Esta casta não pode sair com coisa alguma, a não ser com oração e jejum.

Vale lembrar, inicialmente, que nenhuma casta de espíritos nos atormentará, a não ser que lhes tenhamos feito algum mal, ou que venhamos a atraí-los com nossa invigilância ou ainda pelas chagas da nossa alma.

A oração e o jejum aqui representam a renúncia ao egoísmo, ao orgulho, à vaidade, à maledicência e a outras negatividades que comprometem nossa força moral, porquanto somente a excelência ética pode enfrentar castas de espíritos obsessores ou subjugar nossos demônios interiores.

Estariam, nossos desventurados irmãos alienados dispostos a ingerir o soro do bem e da verdade e a renunciar às suas seculares mazelas morais para enfrentar a causa de suas idiossincrasias? Não importa se a desventurança mental se origina de deficiências físicas, perseguições espirituais ou psicoses interiores, o remédio é o mesmo.

Jamais poderemos deixar de considerar, em qualquer hipótese de intemperança mental, a responsabilidade do doente e as atitudes que assumiu, deliberadamente, e que lhe acarretaram os atuais efeitos indesejados. Atentemos para as sábias observações de Emmanuel, através da psicografia de Francisco Cândido Xavier.

Emmanuel

É imprescindível — ensina Emmanuel em Pão Nosso — estejamos fortificados com valores iluminativos, sem os deslumbramentos da fantasia que vêm do exterior. Para fixar-se em definitivo, o alimento da alma necessita do coração interessado nas verdades divinas.

Há criaturas — ensina Emmanuel em Vinha de Luz — que se entregam à volúpia da inquietação, por acontecimentos nefastos, oriundos de mentes enfermiças alheias, que nunca acontecerão.

O pensamento — ensina Emmanuel em Fonte Viva — é fermentação espiritual que estabelece atitudes, gera hábitos e governa expressões e palavras através dos quais a individualidade influencia na vida e no mundo. O pensamento de um homem regenerado o conduz ao Senhor, de forma reta e limpa.

Companheiros que se desesperam — ensina Emmanuel em Caminho, Verdade e Vida —, quando estão no combate pela perfeição própria, lançam-se num verdadeiro inferno de sombras interiores.

Fiquemos com a palavra final de Emmanuel — em Fonte Viva —, endereçada não somente aos portadores de insanidades mentais, mas a todos nós, porquanto raros são, no planeta Terra, os que não padecem de doença da alma.

Se soubéssemos quão terrível é o resultado de nosso desrespeito às Leis Divinas, jamais nos afastaríamos do caminho reto.

 

Texto baseado em fatos reais. Fontes consultadas: A Loucura sob Novo Prisma, de Bezerra de Menezes, A psicose sob a visão espírita, de Christine Suzana Weiterschan, Pão Nosso, Caminho Verdade e Vida, Fonte Viva e Vinha de Luz, de Emmanuel.