Sem Tempo Para Ser Feliz
- Colunas
- 24/06/2022
- 26 min
- 541
Sidney Fernandes
Sociólogos e psicanalistas estão evitando falar em causas para o suicídio. Existem muitos fatores que podem interagir durante a vida do indivíduo e conduzirem-no ao ato infeliz. Admitem, ainda, que existem outras motivações que não podem ser explicadas pela razão humana[1].
De onde viemos? Qual a razão da existência? Para onde iremos depois da morte? Essas inquietações filosóficas nem sempre são bem administradas por aqueles que não encontram respostas convincentes.
O Espiritismo traz novos esclarecimentos sobre esse assunto, ao tratar de influências obsessivas, de heranças de vivências anteriores e da lei de causa e efeito, fatores determinantes para as condições do desenlace final, muito mais frequentes do que imagina a ciência humana. Sem preconceitos ou açodamentos, a Doutrina Espírita consegue, se não eliminar, reduzir os questionamentos filosóficos que tanto incomodam e podem criar desencadeantes para a fuga da existência.
Pressões sociais
Fatores culturais e sociais podem estimular atitudes. As taxas de suicídio são mais elevadas em países escandinavos e em civilizações que mantêm ideias rígidas a respeito da honra. Influências de ancestrais mortos, reais ou fantasiosas, funcionam como gatilhos de suicídios que em outras civilizações não ocorreriam.
As pressões da sociedade, que podem resultar em insuportáveis sofrimentos de desonra e ostracismo familiar, poderão atenuar, sem, porém, anular a responsabilidade do ato reprovável. Embora haja boa intenção de evitar que a vergonha por atos cometidos em vida pelo suicida recaia sobre o grupo familiar, não deixa de existir a transgressão à lei divina.
O desespero e a vergonha não reparam os males consumados e não justificam a fuga da vida. Quem teve coragem de praticar más ações precisa ter a mesma coragem para sofrer suas consequências[2].
Anormalidade social pode aumentar taxas de suicídio, principalmente de indivíduos pobres situados na base da pirâmide socioeconômica de um país. Segundo o sociólogo francês Émile Durkheim, quando crescem a concentração de riquezas e o nível de exclusão social, surgem casos do chamado suicídio anômico.
Pessoas com dificuldades de sobrevivência, sem recursos médicos, culturais e profissionais, são descartadas pela sociedade. Muitos jovens nessas condições, com poucas alternativas de vida, envolvem-se em situações de criminalidade, e assim aumentam consideravelmente o risco de serem assassinados. Agem como suicidas.
Ignorância ou desinteresse?
Por desinteresse ou por falta de informações consistentes, poucas pessoas têm consciência suficientemente clara a respeito da morte. Geralmente, elas fazem uma confusão maior ou menor sobre os desejos de viver e morrer, que se alternam, acentuando ainda mais as incertezas da existência.
Voz corrente dentre os que sobreviveram é de que não queriam morrer e sim substituir os sofrimentos em que viviam por uma situação prazerosa, como diria Hamlet, em seu famoso monólogo:
— Morrer — dormir, nada mais; e dizer que pelo sono se findam as dores[3].
Certa vez, Richard Simonetti ouviu de uma senhora da cidade de São Paulo expressão bem semelhante:
— Não é que eu pretenda matar-me. Eu queria apenas desaparecer, sumir, e livrar-me desta horrível sensação de vazio, de inutilidade da existência.
Em respeito ao sofrimento daquela senhora, Richard mediu suas palavras e esclareceu que a ideia de deixar de existir jamais seria concretizada, porquanto todos somos imortais. Disse ainda que ela conseguiria desprender-se do corpo material, mas continuaria consciente de si mesma, em situação bem pior, no mundo espiritual, conforme informam os que buscaram esse ilusório inexistir. Aconselhou-a a desenvolver atividades de benemerência e colocar toda a sua fé em Deus, além de procurar apoio psicológico[4].
Confusão mental, falsa interpretação, busca de situação prazerosa ou desejo de desaparecer são sintomas claros de desajustes psiquiátricos e de perseguições obsessivas, que precisam ser tratados com recursos materiais e espirituais.
Não obstante a compreensão dos mentores espirituais ao afirmarem que o louco que se mata não sabe o que faz, contida em O Livro dos Espíritos, a sociedade que não esclarece, as religiões que não orientam e os indivíduos que não se reequilibram responderão pelas vidas que se perdem inutilmente, em flagrante desrespeito às leis divinas.
Reencontro com pessoas queridas
Amantes que fazem pactos suicidas, pessoas que desistem da vida após a morte de entes queridos e as que querem seguir o caminho dos mortos constroem fantasiosas ilusões de que vão se reencontrar com seus amados.
***
Inconformada com a morte do filho, a mãe enforcou-se nos fundos da sua casa, unindo-se ao esquife da criança, que se encontrava na sala. Tempos mais tarde, numa reunião espírita, o filho manifestou-se, lamentando o gesto tresloucado da mãe. Ela havia adiado por décadas o reencontro entre ambos[5].
***
Maria, viúva, não obstante todos os cuidados de amigos espirituais para livrá-la da presença dos fluidos enfermiços do marido Ernesto, desencarnado, ressentia-se da falta dele e ia em sua busca. Achava-se ele em tratamento na espiritualidade, quando, em noite de desdobramento, pela atuação do sono, surgiu Maria, inesperadamente, assim clamando:
— Ernesto, Ernesto! Por que você não está ao meu lado? Volte imediatamente para nossa casa! [6]
Em estado de vigília, a viúva demonstrava inconformação, queixando-se de que o defunto a visitava toda noite, convidando-a para acompanhá-la. Nesse estado de desequilíbrio, Maria encasquetou que ela também precisava partir, a fim de lhe prestar assistência.
Esse estranho processo obsessivo — de encarnada sobre um desencarnado — somente foi alterado com a modificação das disposições de Maria, motivada pelos trabalhos da casa espírita que lhe facultou a criação de novos pensamentos e o entendimento de que deveria aguardar, com paciência, o momento da reaproximação com Ernesto.
***
Como podemos ver, amores passionais, viúvos que morrem pouco tempo depois de suas parceiras, exagerada identificação com quem partiu e processos de fascinação exigem tratamentos espirituais e, fora de dúvida, assistência a quadros psiquiátricos.
Atos extremos, em nome do amor, não encontram guarida junto dos protetores espirituais. Diante da inconformação com o afastamento da criatura amada, o melhor remédio para os que ficam é a resignação. Ao invés de se reunirem àqueles que eram objeto de suas afeições, deles se afastam por longo tempo, até que reparem seus tresloucados gestos[7].
A vida espiritual é melhor?
A triste fantasia de que a morte trará a concretização dos nossos anseios de felicidade leva muita gente à fuga da vida. É um equívoco perigoso, pois somente será feliz no além quem viveu bem a vida. Muito mais do que o tipo de morte, importará o tipo de vida que tivemos.
Cumprimos da melhor maneira os desígnios divinos? Cultivamos o bem e a verdade? Fizemos toda a caridade que tivemos ao alcance? Aproveitamos todas as chances de aprendizado? Evitamos o preconceito, respeitamos o semelhante e semeamos felicidade ao nosso redor?
Essas serão as perguntas que faremos a nós mesmos, assim que tomarmos consciência da nova realidade além da vida, quando então faremos a autocobrança do bem que cultivamos em vida.
Ainda que a todo momento confrontemo-nos com terríveis demonstrações de horror e crueldade, a história da humanidade mostra-nos como a força da vida supera todos os seculares embates vividos pelo homem.
O Espiritismo demonstra que matar-se não é apenas uma infração à moral divina, mas, sobretudo, uma estupidez. Os fatos, e não teorias preconcebidas, demonstram cabalmente que nada se ganha com o suicídio. A abençoada Doutrina Espírita nos oferece a oportunidade do conhecimento, da semeadura do bem, e o esclarecimento daqueles que já passaram pelo trauma da morte e voltaram para contar suas dores e o que fizeram para superá-las.
Fiquemos com Emmanuel[8]:
Guarda, pois, a existência como dom inefável, porque teu corpo é sempre instrumento divino, para que nele aprendas a crescer para a luz e a viver para o amor, ante a glória de Deus.
REFERÊNCIAS:
[1] TOLEDO, J. Dicionário de suicidas ilustres. Introdução. Editora Record. Rio de Janeiro. 1999.
[2] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Questões 948 e 949. Trad. Dr. Guillon Ribeiro – Rio de Janeiro – FEB.
[3] SHAKESPEARE, William. Hamlet.
[4] SIMONETTI, Richard. Depressão – uma história de superação. Editora CEAC.
[5] KARDEC, Allan. O céu e o inferno
[6] LUIZ, André. Nos domínios da mediunidade. Francisco C. Xavier. Cap. XIV – Caso de Libório e Celina. Rio de Janeiro – FEB.
[7] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Questão 956. Trad. Dr. Guillon Ribeiro – Rio de Janeiro – FEB.
[8] EMMANUEL. Religião dos Espíritos. Francisco C. Xavier. Lição 48. Rio de Janeiro FEB.