Sob A Regência Do Cristo

Sidney Fernandes

VOZES D’ÁFRICA1

Castro Alves

Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes?

Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes

Embuçado nos céus?

Há dois mil anos te mandei meu grito,

Que embalde desde então corre o infinito…

Onde estás, Senhor Deus?…

O clamor do poeta Castro Alves, embora publicado no final do século XIX, retrata bem os atuais lamentos de vasta parcela da população mundial, diante das endemias, das crises ecológicas, da concentração de riquezas e da exclusão social. Com razão, ao desavisado resta tão-somente entregar-se ao reclamo e à perfeita impressão de que tudo está sem controle, de que finalmente o bom senso e o equilíbrio pereceram e de que a humanidade está caminhando inexoravelmente em direção ao caos.

Diante desses penosos momentos de transição, socorre-nos a Comunidade de Espíritos Puros e Eleitos pelo Senhor Supremo do Universo a que alude o espírito Emmanuel2, que já se reuniu duas vezes na proximidade da Terra e jamais se distancia dos destinos do nosso mundo.

A MAIOR REVOLUÇÃO ESPIRITUAL

Seis mil anos antes do Evangelho, quando seria deflagrada a maior revolução espiritual registrada pela história da humanidade, protagonizada por Jesus, ele já começara a enviar mensageiros e missionários, a fim de preparar a humanidade para a sua mensagem, que seria ilustrada por parábolas e advertências e que conteria as verdades gloriosas e eternas do determinismo do amor e do bem, lei de todo o universo3.

SOB A BATUTA DO MESTRE

Os temores dos homens firmam-se na ausência da confiança em Deus e na falta de fé no futuro. Devem-se ao desconhecimento do imenso trabalho realizado pelos missionários de Jesus, que jazem esquecidos nos registros da história da humanidade. Alguns desses heroicos personagens precisam ser relembrados periodicamente, para que as populações se compenetrem de que os destinos humanos estão sob a regência do Cristo, a partir do momento em que iniciou a gloriosa tarefa de unificação das almas da Terra para o amplexo universal.

JEZIEL/ESTEVÃO

Em Jerusalém, Estêvão foi escolhido e apresentado aos apóstolos, e estes, orando, lhe impuseram as mãos. Cheio de fé, ele fazia prodígios junto ao povo. Logo foi acusado de blasfêmia e levado perante o sinédrio, onde foi acusado por falsas testemunhas de proferir palavras contra Moisés e contra Deus e foi conduzido para fora da cidade e apedrejado4.

A história do primeiro mártir da Igreja Cristã foi palmilhada por muito sofrimento. Ele havia sido preparado pelos auxiliares diretos de Jesus para vivenciar seu Evangelho, sem mesmo saber que o Mestre já havia nascido e morrido. Foi Simão Pedro que o batizou no credo novo com o nome grego de Estevão. E foi Estêvão que se absorveu no estudo de toda a exemplificação e ensinos do Mestre Jesus e se tornou um dos maiores discípulos e pregadores da mensagem cristã5.

SEM ESTÊVÃO, NÃO EXISTIRIA PAULO6

A despeito das perseguições, enfermidades, zombarias, desilusões, deserções, pedradas, açoites e encarceramentos que, durante toda a sua vida, sofreria em nome do Cristo, Paulo de Tarso não existiria se não houvesse existido Estêvão, adrede preparado para sua rude missão, que culminaria com a determinante influência que exerceria sobre o convertido de Damasco. De Corinto a Jope e depois a Jerusalém, a vida de ambos esteve entrelaçada pelo Cristo, que séculos antes já os havia convocado para os graves testemunhos. O abismo que existia entre Paulo e Jesus foi transposto graças à firme e competente, mas doce influência de Estêvão.

PAULO: O HOMEM QUE INVENTOU O CRISTO7

A mensagem do Evangelho poderia ser sufocada e perecer nas cercanias do Mar Mediterrâneo, não fora a extraordinária veiculação que o convertido Paulo de Tarso a ela imprimiu, dando-lhe caráter de universalidade.

Quem toma conhecimento, porém, dessa conversão, indaga-se:

— Por que o Cristo foi convocar um moço apaixonado e caprichoso, ferrenho defensor da Lei de Moisés? Qual a razão de aparecer para um perseguidor político-religioso, que não vacilava em torturar e matar, quando concluía que essas medidas extremas eram necessárias e oportunas? O moço de Tarso parecia mais um rochedo áspero, portador de um coração impulsivo e envenenado, um louco incapaz de ser piedoso diante de mulheres indefesas e crianças misérrimas. Por que motivo Jesus o escolhera?

O VASO ESCOLHIDO

Para tentar responder essas seculares perguntas, teríamos que conhecer o que o Cristo sabia e nós, até hoje, apenas podemos deduzir. Muito provavelmente, de longa data Jesus havia detectado no futuro rabino Saulo a energia, a determinação e a inflexibilidade, capazes de serem transformadas em lealdade e sinceridade incondicionalmente consagradas ao serviço da mensagem cristã.

Jesus fechou os olhos para os espinheiros ingratos, estendeu suas mãos divinas sobre aquela ovelha perdida e a transformou no gigante do Evangelho, que a ele se entregou para sempre8.

Quando foi convocado por Jesus para curar Paulo da cegueira, Ananias estranhou aquele pedido. Ele sabia que Paulo havia ido a Damasco para prender todos os que invocavam o nome de Jesus. Foi então que o Divino Mestre proferiu as célebres palavras que definiram para sempre a missão de Saulo.

Vai, porque este é para mim um vaso escolhido, para levar o nome diante dos gentios, e dos reis e dos filhos de Israel Atos, 9:13-15.

Estava claro, ali, que Jesus já havia preparado Paulo há muito tempo para se tornar o gigante do Evangelho.

RIVAIL OU KARDEC?

Um professor de vinte e quatro anos de idade detectou falhas no sistema de estudos públicos e demonstrou graves distorções na palavra falada e escrita de alunos franceses. Seu espírito de educador, plasmado pelas suaves mãos da Escola de Pestalozzi, em Yverdun, Suíça, objetivava o bem-estar da criança e as condições ideais para seu aprendizado.

Esse dedicado mestre, que assinava seus livros com o nome H.- L.- D. Rivail, mais tarde assumiria a personalidade do codificador da Doutrina Espírita com o pseudônimo de Allan Kardec. Seu espírito portava, latente, o germe da filosofia extraordinária que daria surgimento ao Espiritismo.

Vejamos, a título de exemplo, a compatibilidade de um de seus escritos, como educador, datado de 1828, com seu texto, já na condição de codificador, datado de 1857.

Em resumo, a educação é o resultado do conjunto de hábitos adquiridos, esses hábitos são eles próprios o resultado de todas as impressões que os provocaram, e a direção dessas impressões depende unicamente dos pais e dos educadores9.

O amigo leitor está encontrando alguma familiaridade no texto acima, do jovem Rivail, com alguma obra que já haja lido? Observe este texto, dele mesmo, porém, investido da inteligência, da seriedade e do método experimental de que se revestiu, na condição de autor de O Livro dos Espíritos.

Não nos referimos, porém, à educação moral pelos livros e sim à que consiste na arte de formar os caracteres, à que incute hábitos, porquanto a educação é o conjunto dos hábitos adquiridos.

A grandiosidade de caráter, a capacidade intelectiva, a perspicácia, a agudez mental, as análises clarividentes, a metodologia racional-intuitiva e o profundo amor pela humanidade manifestaram-se, em Rivail, bem antes de se abeberar nos ensinamentos dos espíritos.

Em Kardec, encontramos um Rivail que foi preparado, durante séculos, para desincumbir-se da notável missão que recebera do Alto. Nosso reconhecimento ao jovem professor, que se tornou o codificador da Doutrina Espírita.

AS MENINAS DE KARDEC

Como tornar efetiva a revelação que viria complementar a palavra do Cristo, numa época em que grassava a descrença e o materialismo, sem o risco da interferência de falhas mãos humanas? Considerando ainda que, quanto maior a ordem intelectual de uma mensagem, maior é a ingerência dos médiuns que a intermedeiam?

Muitos cuidados foram adotados, tanto pela espiritualidade, como por Allan Kardec, para que se preservasse a pureza dos princípios fundamentais emanados das esferas superiores, na codificação do Espiritismo.

Por que o primeiro Livro dos Espíritos, que continha apenas 501 perguntas, lançado na Libraire Ledoyen, na Galerie d’Orléans, do Palais-Royal, nas proximidades do Rio Sena, em 1857, não foi psicografado?

Para que não houvesse qualquer distorção material da obra, as meninas funcionaram como médiuns de efeitos físicos e não de psicografia, para que, de forma nenhuma, mesmo inconscientemente, pudessem intervir no processo de construção da doutrina nascente. Na verdade, as auxiliares adolescentes não poderiam mesmo interferir intelectualmente na obra de Kardec. Pela pouca idade, não deixavam de ser quase meninas, com limitado nível cultural, a não ser pelo adiantamento moral e intelectual que já traziam de existências anteriores. Esse conjunto de predicados representaram, para os novos preceitos, poderoso elemento de segurança. As revelações, de altíssimo nível, provinham, com certeza, diretamente de fontes muito qualificadas, sem qualquer ingerência humana.

CHICO XAVIER

E quanto à continuidade do Espiritismo? O que dizer dos cuidados da espiritualidade, para que, da mesma forma que na codificação, fosse preservado o pensamento transladado de esferas superiores para a Terra, agora em solo brasileiro, por intermédio da mediunidade de Francisco Cândido Xavier? Assim como havia sido feito com Rivail/Kardec, tentou-se preservar o extraordinário médium de Pedro Leopoldo e isentá-lo de quaisquer comprometimentos intelectuais ou morais da obra.

Se, por um lado, Kardec não precisou ser um médium ostensivo para a elaboração das informações que redundaram na codificação, o mesmo não aconteceu com Chico Xavier. Ele era a afinidade em pessoa, com a capacidade profunda de acolhimento das múltiplas personalidades desencarnadas. Quando psicografou a sua primeira grande obra, Parnaso de Além-Túmulo, Chico tinha vinte e dois anos, pouco conhecia de Doutrina Espírita, havia cursado até o quarto ano do antigo ensino fundamental e tinha precária instrução escolar.

Da mesma forma que havia acontecido com as meninas de Kardec, que, por seu nível cultural e por sua inexperiência, pouca idade e desprovimento de adiantamento intelectual, não poderiam trazer a lume aquelas revelações de altíssimo nível, diretamente de eruditas e qualificadas fontes, assim também Chico Xavier não poderia ter tido ingerência nas inúmeras mensagens de que se fez intérprete, porque, no início de sua grande obra psicográfica, pouco sabia de Espiritismo e dispunha de limitada cultura.

Na verdade, por se tratar de espírito de grande elevação, esses atributos jaziam, em Chico, dormentes e contidos pelos laços reencarnatórios de sua existência física, e foram despertando, gradativamente, à medida que se consolidava sua parceira mediúnica com os mentores de sua grandiosa missão, principalmente com Emmanuel.

O GRANDE CONCERTO

Exemplificativamente, trouxemos alguns expressivos nomes dos mais conhecidos da literatura espírita — Estêvão, Paulo, Allan Kardec, suas jovens médiuns e Chico Xavier — que foram preparados pela espiritualidade para as grandes missões de que exitosamente se desincumbiram, graças às suas estruturas físicas e intelectuais e aos esforços que empreenderam para suportar as pressões que adviriam de seus trabalhos e incumbências. Foram espíritos imbuídos de incansável vocação para o trabalho, dedicação e inquebrantável determinação, diante dos desafios que enfrentaram. Todos eles, no entanto, contaram com a extraordinária retaguarda dos espíritos de escol, regidos pelo Cristo, para a implantação do grande concerto cujas primeiras notas começaram a ser emitidas séculos antes do nascimento de Jesus e que continuam, até os dias atuais, afinadas com as regras diretoras da vida.

CRISTO ESTÁ NO LEME

— Por que temeis, homens de pouca fé? Mateus, 8:26

Da mesma forma que os missionários tiveram suas tarefas acompanhadas e coadjuvadas pelo inolvidável regente, nosso mundo atual está sob a sua condução e tem seu direcionamento traçado pelas bússolas divinas. Não estamos entregues ao acaso, nem estamos sem controle. Sem dúvida, estamos vivendo momentos difíceis de transição que representam flagelos para nos fazer caminhar mais depressa na regeneração moral dos espíritos encarnados na Terra. Tenhamos a fé preconizada pelo Cristo, que nos dará a firme convicção de que estamos sob sua condução, para que ocorra o advento de melhor ordem das coisas, a caminho do mundo regenerativo.

Fiquemos com Allan Kardec, que recomenda, diante das dores e provações que enfrentamos, que tenhamos fé no futuro e confiança em Deus, para que não criemos mais obstáculos ao progresso. Não por outra razão Jesus nos recomendou, diante das lutas da existência, na oração dominical:

Senhor! Não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal.10

 

REFERÊNCIAS:

1 publicado no livro A cachoeira de Paulo Afonso: poema original brasileiro (1876). In: ALVES, Castro. Obra completa. Org. e notas Eugênio Gomes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 198.

2 EMMANUEL. A Caminho da Luz. 5. Ed. Cap. I. A Gênese planetária. FEB.

3 EMMANUEL. A Caminho da Luz. 5. Ed. Cap. V. As Castas. FEB.

4 ATOS DOS APÓSTOLOS, 6.

5 EMMANUEL. Paulo e Estêvão. Julho de 1942. Caps. 1 a 8. FEB.

6 EMMANUEL. Paulo e Estêvão. Julho de 1942. Breve notícia (prefácio). FEB.

7 SUPERINTERESSANTE. Paulo: o homem que inventou Cristo. Yuri Vasconcelos.

8 EMMANUEL. Paulo e Estêvão. Julho de 1942. Breve notícia (prefácio) e Caps. 9 e 10. FEB.

9 RIVAIL, H.-L.-D. Plano Proposto para a Melhoria da Educação Pública1828 – Paris – Livraria Dentu.

10 KARDEC, Allan. O Livro dos espíritos. Questões 469 e 936. Trad. Dr. Guillon Ribeiro – Rio de Janeiro – FEB.