Venceste, ó Galileu!
- Colunas
- 01/02/2018
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Por Jane Maiolo
Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz, no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo.[1]
O brado de revolta de Juliano , o último imperador romano pagão, ainda ecoa nas estruturas mais intrínsecas da nossa inconsciência:”Vencestes, ó Galileu!”
Fato ou ficção a história de Juliano, o imperador de Roma , que foi morto numa batalha sangrenta contra os persas em 363, alastrou-se pelo mundo da imaginação dos historiadores, filósofos, escritores, crentes e pagãos. O nobre césar não admitia que existisse alguém superior a ele e seu programa de governo era restaurar o paganismo, visto que as seitas religiosas se espalhavam pelo império fazendo respingar a sombra sobre a sua pretensa luz. Seu governo ficou conhecido como “restauração pagã”.
Apesar dos brados infantis da criatura humana, os ensinamentos do sublime Galileu permanecem na atmosfera quase árida das mentes e corações dos homens.
A história religiosa da humanidade sempre contou com um elemento imponderável: a vulnerabilidade de seus fiéis seguidores.
A história da religião é muito antiga (inicia com as civilizações) e sempre contou com feitos, refeitos, configurações, desconfigurações, harmonizações e desarmonizações implícitas e explícitas.
O Cristianismo dos três primeiros séculos perdeu-se na poeira dos milênios , deixando pouquíssimas fontes primárias comprováveis e com valor histórico concreto.
Resgatar o passado é tarefa complexa , exige-se intuição para não tanger nas ilusões.
O contexto é distinto, os homens são outros, o comportamento ético-moral-social é indubitalvelmente diferente.
Não fosse a descoberta dos acervos de Nag Hammadi, por um simples beduino em 1945 , documentos escondidos fortuitamente numa região desértica do Egito, nunca saberíamos que os chamados “escritos de Nag Hammadi” evidenciam com clareza o processo que conduziu às primeiras definições dogmáticas que foi tudo menos linear, sujeito a interferências das mais variadas, e assim não teríamos nenhuma pálida notícia do que foi o primeiro movimento religioso do então nascente Cristianismo.[2]
Com a descoberta concluiram que havia vários documentos que traziam em seu conteúdo a forma de conceber e conviver com a divindade e seus postulados, suas crenças, seus medos, suas aflições, e suas afirmações. Tais manuscritos foram, na sua grande maioria, considerados heréticos pelos “pais” da igreja.
Concluiu-se que o mesmo Deus de Abraão , Isaac e Jacó é também o nosso Deus. O deus antropomórfico dos hebreus cedeu espaço para uma “Inteligência suprema, Causa primária de todas as coisas”.[3].
A vinda de Jesus, o excelso Galileu, trazia objetivos claros e específicos de fazer-nos entender Deus como Pai e aprender amá-Lo como tal. Porém, o Homo sapiens sapiens ainda submerso na profunda noite da ignorância descobriu mecanismos de controle, manipulação e domínio.
Descobriu-se que o medo era um bom “pastor” e a política do medo foi uma forma de frear, calar, coibir e demover obstáculos.
A pedagogia do medo foi entronizando no nosso comportamento ético-moral-social. Educação comportamental que fomos recebendo e transmitindo como forma de herança nos códigos genéticos dos antepassados durante séculos. Mas o pensamento crístico continua presente, alvissareiro.
O temor não estava no programa divino da evolução humana , mas foi-nos ensinado como forma de repressão.
Através de uma educação socio-religiosa coercitiva passamos a temer a Deus, ao fogo do inferno, aos próprios questionamentos, aos astros do Cosmo, as comunhões sexuais, ao prazer de tudo que é belo, bom e formoso da vida. Passamos mesmo a temer nossa própria imaginação. Como afirmaria o destemido Convertido de Damasco, na sua segunda epístola a Timóteo: “Porque Deus não nos deu o Espírito de temor, mas de fortaleza, de Amor e de Moderação”.[4]
Porém, Deus não quer nosso temor, também não quer nossa filosofia, nossa ciência ou nossa religião. Deus quer apenas nosso coração disposto a amar.
A paz oferecida pelo Cristo, que não é o próprio Criador, mas enviado de Deus, não nos impede de enfrentar as tribulações, aflições, medos, inseguranças, entretanto adverte-nos para que tenhamos bom ânimo a fim de lidar com os desafios futuros.
Após dois mil anos o Galileu segue vencedor, mesmo sem nunca ter disputado batalha alguma. Segue seguro, incólume, majestoso deixando um caminho estreito , porém possível de percorrer.
Venceste , Ó Galileu, e os homens um dia reconhecerão sua silenciosa vitória .
Referências bibliográficas:
[1] João 16:33
[2] FIORILLO, Marilia Pacheco- O Deus exilado:Breve história de uma heresia/Rio de Janeiro – Civilizaçãio Brasileira-2008.
[3] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, questão 01- Rio de Janeiro: Ed FEB, 2007
[4] II TIMÓTEO, 1:7.