Você Mente?

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Eu, você e todo mundo mente. E mente muito. O quanto exatamente varia. Uma pesquisa diz que uma pessoa mente em uma a cada quatro interações sociais. Outra, que mesmos aqueles que dizem não mentir falam uma inverdade a cada dez minutos. Uma terceira afirma que contamos de 10 a 100 mentiras por dia!

“A maior mentira é dizer que não mente”, afirma a psicóloga Monica Portella. E por que mentimos tanto? A resposta de especialistas é clara: “para conviver melhor com os outros e com nós mesmos”.

Mentiras leves são aceitas e até obrigatórias em algumas situações. “Temos os rituais de cumprimento. Somos obrigados a agir com polidez, caso contrário, você pode ser tachado de insensível”, explica o psicólogo Ailton Amélio, professor da USP (Universidade de São Paulo).

Amélio diz que há uma pressão interna para sermos cordiais e, por isso, muitas vezes mentimos ao dizer que uma mulher não está feia com a roupa escolhida ou que sentimos muito quando alguém conta uma notícia ruim, mesmo sem qualquer comoção genuína.

Segundo o sociólogo Erving Goffman, nós desviamos da realidade 95% do tempo. Nós interpretamos papéis. Do ponto de vista evolutivo, desenvolver fórmulas para enganar o outro foi uma tática bem sucedida para a sobrevivência da espécie.

Claro, a mentira não é válida para TUDO o que falamos, senão sempre desconfiaríamos do que nos é dito. Por isso, seguimos também o princípio cooperativo que nos orienta a não afirmar nada que seja deliberadamente falso.

Bruno Simões, professor de Pensamento Crítico e Ética do Insper, acredita que a mentira é uma prática intencional. Para ele, estamos inseridos num quadro social do qual a mentira já faz parte.

Simões dá como exemplo uma criança que mente antes mesmo de desenvolver a linguagem. O bebê descobre que ele consegue coisas a partir do choro, seja a emoção verdadeira ou não. Com dois ou três anos as crianças já dispõem de um farto repertório de manipulações, fingimentos e mentiras.

Freud sustenta que a vida seria insuportável caso não mentíssemos. Imagine a quantidade de brigas e desavenças que aconteceriam se você falasse a verdade o tempo todo. Mentimos para enfrentar a realidade e para atrair a atenção do outro. Também criamos novas versões, ficções e deturpações da realidade que cumprem um papel psíquico para nós mesmos.

Pamela Meyer escreve em “Liespotting” que nós mentimos mais para desconhecidos do que para pessoas que conhecemos. Estranhos mentem em média três vezes nos 10 primeiros minutos de conversa. Casais, uma vez a cada 10 interações.

Num extremo, a mentira vira uma compulsão quando a pessoa mente sem saber por que, e as mentiras se tornam tão absurdas que não mantêm nenhuma relação com a verdade. Nesse contexto, a área do julgamento não é ativada normalmente no cérebro do mentiroso.

Desconfiando da mentira, avalie quão grave ela é. Você pode usar a escala de Münchausen, que vai do nível 1, mais leve ou mentira branca, até o 5, a mais maligna. Veja os critérios que formam cada grau desse conceito, que pode indicar qual o perfil da mentira e do mentiroso em questão: 

1. A autoironia e o jogo em torno da verdade são mais leves. É o nível sub-clínico no qual a mentira aproxima-se de uma brincadeira ou de um jogo.

2. Ela não é percebida pela pessoa que mente como uma mentira, em todas as suas implicações. O ato é “edulcorado” com expressões autoenganadoras; todo mundo faz, ou todo mundo diz.

3. É o prazer de levar vantagem, não pagar a conta, ou causar um mal estar sem ser responsabilizado por isso. A fofoca e a maledicência entram aqui também.

4. Envolve a repetição compulsiva da mentira. Uma leva a outra, construindo um castelo de cartas que o sujeito se ocupa em manter. Neste caso, tudo o que o contrarie ou desminta é recebido agressivamente como ofensa pessoal.

5. É o que a psicopatologia chamava de “mitômanos” ou “fabuladores” para os quais a mentira torna-se parte de um delírio. Ela traz todas as características anteriores acrescida do desejo de impor a mentira.

 

Por Lilian Ferreira – UOL