Parábolas: o que são e para o que servem.

Parábolas não são coisas fáceis de definir, porquanto nem mesmo a teologia é unânime em relação a elas, seu alcance e significação.

Segundo explica Haroldo Dutra Dias¹ o vocábulo vai ganhar uma maior ou menor extensão ou espectro se tomarmos a etimologia da palavra do original hebraico ‘m_rsh_l’, abarcando toda sorte de linguagem figurada, comparações, alegorias, fábulas, provérbios, ditos, símbolos, etc, do que se tomarmos do grego ‘parabole’ que, em sentido mais restrito, vai significar algo colocado ao lado de outra coisa, com o fim de compará-las.

No entanto todos concordam que parábolas são, em geral, um recurso didático que se faz presente desde a antiguidade, encontrando-se entre todos os povos orientais, sobretudo entre os hebreus, onde figura no Antigo Testamento (ou Tanach, a Bíblia hebraica) em larga escala, como no livro de Juízes, capítulo 9, no qual Jotão registra a primeira parábola em forma de fábula, falando acerca de árvores que escolhem para si um rei, para demonstrar o equívoco que havia na coroação do perverso Abimeleque.

Já entre os judeus cabalistas havia um entendimento de que “a luz celestial nunca desce até nós sem um véu (…) É impossível que um raio divino brilhe sobre nós, a menos que velado por uma diversidade de revestimentos sagrados”,²  dando-nos a ideia de que a parábola “é uma história terrena com um significado celestial”.³

Particularmente gosto de entender o vocábulo a partir da sua raiz matemática, na geometria analítica, para a qual a parábola é uma curva num plano cartesiano ou, em linguagem mais específica, um conjunto de pontos que são equidistantes de um ponto dado, chamado de Foco, e de uma reta dada, chamada de Diretriz, para daí deduzir o seu significado, por assim dizer, teológico ou pedagógico.

Todos compreendem com relativa facilidade que a distância mais curta entre dois pontos A e B é uma linha reta. Ocorre que, às vezes, há obstáculos intransponíveis para traçarmos a tal linha reta, daí se fazer necessário uma curva para contornar o obstáculo: eis a parábola!

No caso da pedagogia de Jesus, havia barreiras intransponíveis para que se traçasse um ensinamento em linha reta, por isso era preciso contornar essa impossibilidade cognitiva da humanidade, à época, se se quisesse deixar um legado, um ensinamento, uma lição.

Tal impossibilidade restou muito clara no diálogo de Jesus com Nicodemos, que, ao contrário do que muitos imaginam, não se deu no final da vida pública de Jesus, mas no começo, tão logo João Batista o anuncia como sendo o Messias, o Cristo, o Enviado, e antes mesmo dele, João,  ser executado por Herodes.

João, o Evangelista, apresenta o interlocutor de Jesus, Nicodemos, na qualidade de  representante dos fariseus, um dos principais entre os Judeus à época, o que nos leva a crer, juntamente com boa parte da tradição teológica, de que Nicodemos deveria compor aquele grande colegiado do Judaísmo chamado Sinédrio, a Suprema Corte judaica.

O diálogo entre ambos, trazido em João 3, é revelador das impossibilidades cognitivas da humanidade de então.

Nicodemos logo reconhece a procedência divina do Mestre, “pois que ninguém pode realizar os sinais que tu fazes se Deus não estiver com ele”, para então ouvir o ensinamento de Jesus de forma clara, simples e direta: ninguém haveria de ver o Reino se não nascesse de novo. Nicodemos, então, se espanta: “Como alguém pode nascer sendo velho? Porventura poderia entrar pela segunda vez no ventre de sua mãe e tornar a nascer”?

Nessa altura do diálogo imagino a cena: Jesus levando a mão ao ombro do velho Nicodemos e lhe prestando os esclarecimentos, também límpidos, claros, diretos e cristalinos, de que aquilo que nasce da carne é carne, mas a carne não vincula o espírito, que é como o vento e sopra onde quer e nós ouvimos a sua voz, sem que saibamos de onde ele vem nem para onde vai. Nicodemos, infelizmente, não entende, não possui elementos para compreender e, perplexo, retruca: “Mas como pode ser isso”?

Nessa altura quem se espanta, talvez, seja Jesus: “Tu és Mestre em Israel e não sabes essas coisas”? E aí, imagino eu, Jesus dá um tapinha na própria testa para concluir, consigo mesmo, que tendo Ele falado das coisas terrenas a humanidade já não o compreendia, quanto menos compreenderia se Ele lhes falasse das coisas divinas… E muda de assunto!

Este diálogo deixa muito claro a impossibilidade de a humanidade, à época, receber ensinamentos mais diretos e claros acerca de coisas até então incompreensíveis que dizia respeito à vida futura, à imortalidade da alma, à reencarnação como mecanismo de aprimoramento desse espírito que sopra onde quer. Se Nicodemos, que era um estudioso do Tanach, um doutor da Lei, não possuía tais pressupostos de conhecimento que lhe valessem a compreensão, como seria com o restante da humanidade? Por isso Jesus falava em parábolas, “porque eles vendo, não veem, e ouvindo, não ouvem nem entendem,” como registra Mateus 13,13.

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Bibliografia:

¹ – As parábolas de Jesus – texto e contexto, Haroldo Dutra Dias, FEP 2017;

² e ³ – Todas as parábolas da Bíblia, Herbert Lockyer, editora Vida, 2016