Espinhos do Caminho

espinhos

E, para que não me exaltasse pela excelência das revelações, foi-me dado um espinho na carne…

2 Coríntios, 12:7

O que era o espinho na carne do apóstolo Paulo? Alguns dizem que ele estava perdendo a visão, outros que tinha alguma dificuldade para se expressar ou alguma forma de paralisia. Em Gálatas, 4:13-14, ele fala em enfermidade. Um de seus exegetas atribui o espinho na carne aos suplícios que sofreu na cidade de Listra, tais quais as perseguições de Antioquia e Icônio, durante suas pregações. Outros intérpretes, incluindo Richard Simonetti, entendem que além de problemas físicos possuía também provações (obsessões) espirituais. O fato é que ninguém sabia o que era o tal espinho na carne citado na 2ª. Epístola aos Coríntios, 12:7. A verdade é que o seu trabalho na disseminação das palavras do Cristo não foi fácil e ele passou por adversidades e momentos difíceis. E mesmo tendo orado por três vezes para ser liberto, teve que conviver com o espinho até o fim de seus dias. Paulo atribuía ao permanente incômodo uma espécie de função limitadora capaz de contê-lo, a fim de que não se exaltasse com a grandiosidade de sua missão.


O filme O Aviador, dirigido por Martin Scorsese, em 2004, narra a história de Howard Robard Hughes Jr., que foi aviador, engenheiro aeronáutico, industrial, produtor de cinema, diretor cinematográfico e um dos homens mais ricos do mundo. O jovem Howard cresceu influenciado e superprotegido por sua mãe, que padecia de misofobia – exagerado medo de germes, contaminação ou sujeira. Por conta disso, sofria um medo terrível de contágios de enfermidades, e, assim, o menino cresceu com uma percepção hostil do mundo exterior. As infindáveis sessões de higiene e lavagem de suas mãos, prevenindo-se contra uma nuvem de sujidades que, hipoteticamente, o rodeavam, causavam perplexidade aos circunstantes. Desde o início da década de 40, Hughes passou a exigir que todos os que entrassem em contato com as suas coisas usassem luvas brancas e todos os seus criados tratassem de tudo usando lenços de papel. Física e mentalmente doente, morreu em 1976, absolutamente sozinho no mundo, de parada cardíaca.

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Não amava, mas odiava o Deus justiceiro, que castigava os pecadores e, se não blasfemava em silêncio, ao menos murmurava, terrivelmente indignado contra Deus.

Em suas crises, atormentado por dúvidas e remorsos, Martinho Lutero corria a confessar-se, acusando culpas da sua imaginação altamente excitada. Afinal, o Deus tirânico que ele forjara estava bem distante do Deus generoso da tradição cristã. Foi encontrar paz, a solução de seu problema, equilíbrio e forças para realizar a grande obra que o Alto lhe havia designado, lendo e meditando as epístolas de Paulo, o Apóstolo.

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Segundo Emmanuel, em A Caminho da Luz, uma saudade torturante do céu foi a base da organização religiosa da civilização egípcia. Dentre os Espíritos degredados na Terra, oriundos de um dos mundos da estrela Capela, foram os egípcios os que mais se destacaram na prática do Bem e no culto da Verdade. Aqueles seres angustiados e aflitos que haviam deixado para trás um mundo de afetos, guardavam no íntimo uma lembrança muito viva da pátria distante. Um único desejo os animava: tornar a ver a suave luz de Capela e um dia voltar ao orbe distante.

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— Uma terrível sensação de culpa me acompanha!

Quem assim se expressava era um dos companheiros da nossa casa espírita. Tentei relembrá-lo das recomendações de Santo Agostinho, cuja metodologia em busca da vitória sobre suas más inclinações se fixava em filtrar os acontecimentos de cada dia.

— Mas, o problema é exatamente esse! – respondeu-me.

— Há dias em que nada encontro do que me envergonhar e mesmo assim persiste a sensação desagradável. Não estou querendo dizer que já venci meus defeitos. Mas, não seria de se esperar uma sensação de “dever cumprido” como trégua da jornada?

— Mesmo com a consciência tranquila – ainda que por breves períodos –, o mal dos outros incomoda-me e provoca reações desagradáveis. Como libertar-me dessa inconstância emocional?

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Meu pai tinha um Ford da década de 20. Foi nele que aprendi a dirigir. Esse carro tinha freios acionados por varão, apenas nas rodas traseiras, pois à época os engenheiros mecânicos acreditavam que freios nas rodas dianteiras fariam o carro capotar. Considerado muito resistente, seu acelerador não era um pedal, mas uma alavanca junto ao volante, que formava par com outra, para ajustar o avanço da ignição. As duas alavancas, opostas, formavam a figura de um bigode, o que levou esse carro ser chamado no Brasil de Ford de Bigode. Quando meu pai o adquiriu, todavia, no início da década de 50, o carro já tinha mais de 20 anos de fabricação. Não obstante avançada para os padrões da época, a tecnologia ainda deixava muito a desejar. E meu pai esfalfava-se para manter o bigode regulado. A mistura de ar com o combustível se alternava e, volta e meia, quando meu pai mais precisava da robustez do carro, mormente nas subidas, ele rateava. As falhas do motor diminuíam sua potência e não raramente o carro morria. E era um trabalhão para fazê-lo funcionar de novo.

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E também todos os que piamente querem viver em Cristo Jesus padecerão perseguições.

2 Timóteo, 3:12

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Todos nós encontramos espinhos em nossa jornada evolutiva. E quanto mais caminharmos e evoluirmos, mais desambientados e inadaptados nos sentiremos, diante da lentidão das transformações que obrigatoriamente terão que ocorrer no planeta Terra. Diz Kardec que o progresso intelectual alcançado marca a primeira fase da humanidade, mas, sozinho, é impotente para regenerá-la. Passar a considerar os membros de outras raças como irmãos, eliminar os preconceitos, eliminar barreiras sociais e tornar a Terra a morada da paz ainda depende de reformas de base que ainda são ideais distantes. É de se notar, ao superficial exame, que já caminhamos muito contra as ideias materialistas. Mas, o amor do Cristo ainda carece de longas jornadas.

A humanidade ainda não sabe direito como realizará os ideais de caridade, fraternidade, benevolência e tolerância. Sabe, porém, que esse é um caminho sem volta e de conquista inegociável. Enquanto esse objetivo não for partilhado pela maioria, estaremos diante de situações desconfortáveis, vividas principalmente pelos que já despertaram para o projeto de Jesus para o planeta Terra. Espinhos na carne, como do apóstolo Paulo, sofrimentos psicológicos e físicos, como de Hughes, tormentos internos, como a síndrome de pecado de Lutero, a saudade torturante dos exilados de Capela e a sensação de culpa dos que lutam pela superação espiritual fazem parte do nosso processo evolutivo.

De antemão pedindo desculpas ao caro leitor pela pobre metáfora, muitos de nós, no entanto, teremos que passar pelos rateios do pobre Ford de Bigode, até que o nosso motor passe a funcionar regularmente, sem falhas, compassadamente, sem trancos ou solavancos. O Espiritismo traz a sublime lubrificação de nossas engrenagens espirituais. Fornece-nos o combustível sublime, originário diretamente da fonte do próprio Cristo. A engenharia da espiritualidade é perfeita e nos indica que tudo está obedecendo a um projeto acabado.

RESTABELECENDO A VERDADE

O Espiritismo surgiu na hora psicológica das grandes transformações, alentando o espírito humano para que não se perca o fruto sagrado de quantos trabalharam e sofreram no esforço penoso da civilização. Com as provas da sobrevivência, veio reabilitar o Cristianismo, semeando, de novo, os eternos ensinamentos do Cristo no coração dos homens. Com as verdades da reencarnação, veio explicar o absurdo das teorias igualitárias absolutas, cooperando na restauração do verdadeiro caminho do progresso humano. Enquadrando o socialismo nos postulados cristãos, não se ilude com as reformas exteriores, para concluir que a única renovação apreciável é a do homem íntimo, pugnando pela intensificação dos movimentos educativos da criatura, à luz eterna do Evangelho do Cristo. Ensinando a lei das compensações no caminho da redenção e das provas do indivíduo e da coletividade, estabelece o regime da responsabilidade, em que cada espírito deve enriquecer a catalogação dos seus próprios valores. Não se engana com as utopias da igualdade absoluta, em vista dos conhecimentos da lei do esforço e do trabalho individual, e não se transforma em instrumento de opressão dos magnatas da economia e do poder, por consciente dos imperativos da solidariedade humana. Despreocupado de todas as revoluções, porque somente a evolução é o seu campo de atividade e de experiência, distante de todas as guerras, pela compreensão dos laços fraternos que reúnem a comunidade universal, ensina a fraternidade legítima dos homens e das pátrias, das famílias e dos grupos, alargando as concepções da justiça econômica e corrigindo o espírito exaltado das ideologias extremistas. Nestes tempos dolorosos em que as mais penosas transições se anunciam ao espírito do homem, só o Espiritismo pode representar o valor moral onde se encontre o apoio necessário à edificação do porvir. Enquanto os utopistas da reforma exterior se entregam à tutela de ditadores impiedosos, prossegue ele, o Espiritismo, a sua obra educativa junto das classes intelectuais e das massas anônimas e sofredoras, preparando o mundo de amanhã com as luzes imorredouras da lição do Cristo.

Adaptado do Capítulo XXIV – O Espiritismo e as Grandes Transições, de A Caminho da Luz, de Emmanuel

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Abeberemo-nos na Doutrina Espírita e um leque extraordinário de bênçãos, consolações e esclarecimentos se abrirá em nossas vidas, exorcizando os fantasmas da dor, das fobias, das neuroses, dos complexos de culpa e da saudade que temos de entes queridos em situações espirituais superiores às nossas. A partir daí estaremos nos preparando para desenvolver a velocidade requerida pelo nosso motor espiritual, no trajeto de nossa jornada evolutiva, habilitando-nos a vencer obstáculos, solavancos e espinhos.

Sidney Fernandes

1948@uol.com.br

Originally posted 2016-04-09 16:55:02.