Fé – Sentimento ou Comportamento?
- Colunas
- 28/08/2022
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Sidney Fernandes
A fé é o caminho para a elevação do espírito? Qual é o seu significado?
Segundo o filósofo e intelectual catarinense Huberto Rohden1, para os teólogos a palavra fé significa crer, acreditar, aceitar a existência e a influência de um poder superior, capaz de realizar coisas impossíveis ao ser humano.
Para Rohden, a palavra fé, no texto do Evangelho, deriva da palavra grega pistis, que significa harmonia, sintonia ou consonância. A tradução do idioma grego para o latim provocou indevida associação da expressão primária “interação” com o sentido “crer”, que foi assimilado por países que falam línguas neolatinas. O sentido original da palavra fé, na verdade, é estabelecer sintonia do espírito humano com o espírito divino.
Crer ou acreditar não depende da vontade humana. É sentimento espontâneo decorrente da harmonia da consciência e da vivência dos princípios divinos.
A passagem favorita de Abraham Lincoln, Thomas Jefferson e Roosevelt está no Novo Testamento: a primeira epístola de Paulo aos Coríntios.
A lista de qualidades apresentada naquele texto é uma proposta de comportamentos e não de sentimentos. Ninguém pode obrigar alguém a acreditar ou ter sentimentos positivos por alguém. O homem não pode obrigar-se a crer em coisa alguma.
Pode, no entanto, estabelecer sintonia com o Alto e, a partir daí, criar um ato de boa vontade que o leva a acreditar nos poderes dele decorrentes.
Fica mais fácil, diante dessa ressignificação, aceitar a expressão evangélica que garante a salvação àquele que tem fé, dentro do sentido verdadeiro, que é a sintonia com Deus. Se, por um lado, não depende da vontade humana crer ou acreditar, posto que estamos falando de sentimentos, depende do comportamento humano o ato de se colocar em sintonia com a divindade.
Se eu realmente tiver fé todos os meus problemas se resolverão? Dores, angústias, dificuldades financeiras, inquietações, tristezas, deficiências, perturbações e perseguições e quaisquer outras dificuldades que venham a surgir?
— Claro que sim — dirá o rigoroso intérprete da expressão evangélica, contida no evangelho de Marcos, 9:23.
— Afinal, foi o próprio Jesus que afirmou: Se tu podes crer, tudo é possível ao que crê.
Tomar ao pé da letra semelhante afirmativa seria derrogar o princípio de justiça que deve reger a vida humana e colocar por terra outra afirmativa do Cristo, anotada pelo evangelista Mateus, 5:26, contida no Sermão da Montanha:
—Em verdade te digo que, de maneira nenhuma, sairás dali, enquanto não pagares o último ceitil.
Diz-nos a razão que, mesmo investidos de credulidade inabalável, ainda assim nem tudo poderemos alcançar, enquanto não consertarmos as besteiras que cometemos, isto é, antes de repararmos os males que praticamos. Falar de forma diferente seria criar falsas expectativas ou passar a falsa impressão de que as nossas preces não foram ouvidas porque nos falta fé, ou por outra falha nossa.
Muitos de nós, diante dos problemas da vida, alimentamos a pretensão de resolvê-los por intermédio de um poderoso médium, de um passe magnético mágico, de uma milagrosa água fluidificada ou de uma vigorosa concessão divina.
Precisamos aprender que nem com toda a fé do mundo conseguiremos eliminar todos os obstáculos da vida, simplesmente porque muitos deles ainda não podem ser removidos.
Sob o ponto de vista humano, a felicidade está condicionada à inexistência do sofrimento. Sob o ponto de vista espiritual, no entanto, esse sofrimento pode representar o melhor para o nosso espírito.
— Ora, então do que adianta orar? De que vale ter fé?
A fé, sob a luz da razão, representa a convicção de que existe um plano maior que tudo dirige e que nos proporciona exatamente aquilo de que necessitamos, ainda que sob o ponto de vista humano isso não represente algo muito agradável.
O reconhecimento da culpa e a consciência de que as punições guardam correspondência com os nossos merecimentos são pontos fundamentais de partida para as eficazes atitudes que vão minimizar e até, eventualmente, comutar as nossas penas.
Deus é infinitamente justo, mas também é infinitamente bom.
Se na Terra tendemos a querer escapar da infelicidade a qualquer preço, da espiritualidade vêm notícias, a todo momento, de Espíritos que não conseguiram mercantilizar com a divindade e nos recomendam as providências que efetivamente nos trarão paz e alívio para as nossas dores.
A fé que nos impulsiona para a oração, que proporciona o alívio e a esperança, deve ser a mesma que deverá nos impulsionar à resignação e à atitude ativa de reparação de nossos males e de diminuição das dores dos nossos semelhantes.
Se a dor origina-se nos males que devemos purgar, nada mais lógico que a nossa reforma interior limpe esses males. Daí, não haverá mais necessidade de sofrimento, porque o amor terá tomado o seu lugar.