O Inferno São os Outros

O Inferno São os Outros (Sartre)

Estamos condenados a ser livres, asseverava Jean-Paul Sartre.

Essa é a sua sentença para a humanidade.

O filósofo e escritor francês foi um dos maiores representantes do existencialismo, corrente filosófica que reflete sobre o sentido que o homem dá à própria vida.

Para Sartre, a existência do ser humano vem antes da sua essência. Ou seja, não nascemos com uma função pré-definida, como uma tesoura, que foi feita para cortar, por exemplo.

Segundo o filósofo, antes de tomar qualquer decisão, não somos nada. Vamos nos moldando a partir das nossas escolhas.

Toda essa liberdade resulta em muita angústia. Essa angústia é ainda maior quando percebemos que nossas ações são um espelho para a sociedade.

Sartre defendia que temos inteira liberdade para decidir o que queremos nos tornar ou fazer com nossa vida.

O problema é que nossos projetos pessoais entram em conflito com o projeto de vida dos outros. Eles, os outros, tiram parte de nossa autonomia.

Por isso, temos de refletir sobre nossas escolhas para não sair por aí agindo sem rumo, deixando de realizar as coisas que vão definir a existência de cada um.

Ao mesmo tempo, é pelo olhar do outro que reconhecemos a nós mesmos, com erros e acertos.

Já que a convivência expõe nossas fraquezas, os outros são o “inferno” – daí a origem da célebre frase do pensador francês. (1)

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Na esteira do pensamento de Sartre, podemos refletir sobre nosso comportamento à luz da Doutrina Espírita.

Vamos ver o que encontramos do outro lado da moeda?

O que nos incomoda, o que faz com que fiquemos irritados, inconformados, causando tanta dor?

“Passo por tudo isso porque meus filhos são rebeldes, meu marido é uma pessoa difícil, meu chefe é insuportável, meus amigos e família não me compreendem….”

Sempre os outros, não é mesmo?

Então o inferno são os outros, né?

Não, não. O inferno está dentro de nós. E estando dentro de nós o mundo o reflete.

Tudo começa no nosso íntimo.

O mundo exterior é apenas um reflexo do que existe dentro de nós.

“O mundo é como um espelho que devolve a cada pessoa o reflexo de seus próprios pensamentos. A maneira como você encara a vida é que faz toda diferença.

(Luis Fernando Verissimo)

Se não estivermos bem interiormente, iremos atribuir a culpa, com muita frequência, à outra pessoa ou situação, que então seria a causadora de tudo.

Afinal de contas, é necessário encontrar um bode expiatório, não é mesmo?

É muito mais fácil do que reconhecer nossas fraquezas.

No atendimento fraterno conversamos com muitas pessoas que estão em sofrimento e o depoimento muito frequente é reclamação com relação ao cônjuge, filhos, pai e mãe, colegas de trabalho. A culpa é dos outros. “Melhor se eles não existissem, assim os problemas desapareceriam”.

Grande engano!

Certo dia uma senhora me disse que iria mudar-se para São Paulo e abandonar tudo.

– O que você vai levar para São Paulo? – perguntei.

– A mudança, é claro – respondeu.

– O que mais?

– Eu mesma, concluiu.

Pra onde formos, se não estivermos bem, continuaremos com os mesmos problemas.

“Qual é a SUA responsabilidade na desordem da qual você se queixa?” (Freud)

Conquanto os Espíritos insistam em nos alertar sobre essa realidade, a tendência é projetarmos nossa insatisfação nos outros ou nas circunstâncias da vida, escolhendo um ou mais culpados pela nossa desdita.

Vejamos a resposta da questão 133-a de “O Livro dos Espíritos” (1):

As aflições da vida são muitas vezes a consequência da imperfeição do Espírito.

“Quanto menos imperfeições, tanto menos tormentos.

“Aquele que não é invejoso, nem ciumento, nem avaro, nem ambicioso, não sofrerá as torturas que se originam desses defeitos.”

Quando voltaremos nosso olhar para dentro de nós, procurando identificar a raiz de nossos sentimentos destrutivos?

Poucas pessoas têm o hábito de fazer uma auto-análise sincera, que implica em reconhecer os próprios erros sem encontrar uma desculpa. Muito mais fácil seria encerrar o problema sem inventar um culpado. Isso só aumenta o problema pois irá envolver outras pessoas e desviar o foco daquilo que é mais urgente: a nossa mudança.

Fernando Rossit

(1) Revista Superinteressante

(2)O Livro dos Espíritos, q. 133-a