Léon Denis: Continuador de Kardec

Sidney Fernandes | 1948@uol.com.br

Confundem-no com Kardec, pensam que ambos tinham a mesma idade, que um foi o professor e o outro o aluno, que viviam na mesma cidade e que seus contatos eram constantes.

Pensar que fossem a mesma pessoa deve-se aos nomes. Amélie-Gabrielle Boudet, a doce Gaby, esposa do Professor Hippolyte-Léon-Denizard Rivail — que assumiu o pseudônimo de Allan Kardec quando se tornou escritor espírita — chamava Rivail de Léon.

Aluno? Talvez discípulo. Segundo as palavras do próprio Denis, teria havido colaboração entre dois servos de uma única causa. Em seguida ele mesmo faz o reparo:

— Que estou dizendo, colaboração? É ainda melhor. É mais a comunhão de duas almas perseguindo um objetivo comum.

Eram contemporâneos? Não exatamente, pois Denis nasceu em 1846, em Foug, na região francesa da Lorena, a aproximadamente 400 quilômetros de Lyon, onde, como se sabe, nasceu em 1804, mas não morou Rivail, que estudou na Suíça e viveu até o fim da vida em Paris.

Denis conheceu o Espiritismo em 1864, portanto com pouco menos de vinte anos de idade e esteve com Kardec apenas três vezes: em Tours, em Benneval e em Paris, quando o visitou para ter conversas doutrinárias.

Em 1867 ocorreu um fato que chamou a atenção dos biógrafos: Kardec foi convidado a proferir em Tours uma palestra. Esta, contudo, não pôde ser realizada na sala de conferências alugada, em virtude de proibição do Segundo Império da França. Acabaram por reunir-se na casa de um amigo, sob a luz das estrelas. Léon Denis ficou encarregado de avisar os convidados do novo endereço da reunião. Espremidas no jardim do anfitrião, aproximadamente trezentas pessoas ficaram em pé, porém felizes, de poder ver e ouvir Allan Kardec.

No dia seguinte, quando Léon Denis voltou à mesma casa, presenciou uma cena bucólica, que atestou a coerência entre o que o codificador escrevia e pregava e a sua prática, sobretudo no âmbito familiar. Em pé sobre um pequeno banco, Rivail colhia cerejas e as entregava à esposa Gaby.

E quanto às posições social e financeira de Rivail e de Denis? Havia alguma semelhança? De forma alguma. Aproximar-se do Espiritismo, para o consagrado professor de Lyon, foi um péssimo negócio, sob o aspecto econômico. Se houvesse guardado prudente distância dos fenômenos espíritas e não se tivesse transformado na personagem de seu pseudônimo, Allan Kardec poderia ter vivido tranquilamente de seus ganhos como professor, tradutor e contabilista. Preferiu, entretanto, renunciar àqueles ganhos em prol de sua contribuição à humanidade como codificador do Espiritismo.

Já para Léon Denis, desde o nascimento sua vida foi pautada por enormes dificuldades financeiras. Por várias vezes precisou interromper os estudos, para auxiliar o pai. Ainda jovem, foi obrigado a assumir a responsabilidade da manutenção da família.

Não obstante, Léon Denis teve importância fundamental, ao lado de Alexandre e Gabriel Delanne — pai e filho — e de Amélie Boudet, ao resgatar o verdadeiro conteúdo do Espiritismo, através de palestras, distribuição gratuita de obras básicas e na manutenção do periódico Le Spiritisme, após o desencarne de Allan Kardec.

Léon Denis seguiu o caminho aberto por Allan Kardec e lutou com todas as suas forças para a continuidade da difusão da Doutrina Espírita, mesmo com as defecções e os problemas causados por alguns equivocados sucessores do codificador.

A exemplo do mestre lionês, Léon Denis sempre caminhou firmemente — mesmo com sérios problemas nos olhos, que culminaram com sua cegueira, ao final da vida —, sem desfalecer nem desanimar. A proteção e a assistência dos bons espíritos jamais lhe faltaram.

Diante de todas as dificuldades por que passou, muito semelhantes, em vários aspectos, às asperezas vividas por Allan Kardec e sua esposa Gaby, rendamos nosso respeito e homenagem a esse verdadeiro continuador da obra da codificação.