O Incrédulo

Sidney Fernandes

A SESSÃO1

Jorge tinha saudades de sua irmã e de sua esposa. Desde que elas haviam falecido, dois anos atrás, batera-lhe o desejo de ter suas notícias. Não que fosse adepto de qualquer filosofia espiritualista que lhe ensejasse comunicação com o além. Na verdade, suas convicções em torno da continuidade da vida eram frágeis e não o estimulavam à aproximação de grupos mediúnicos.

Foi um amigo muito próximo, de nome Gabriel, que percebeu sua tristeza e resolveu ajudá-lo. Foi o primeiro que lhe falou de uma sessão em que mortos se manifestavam através de golpes ou pancadas, geralmente aplicados em uma pequena mesa. Céptico, Jorge, a princípio, descartou a experiência. Gabriel argumentou que ele nada tinha a perder. Caso não se convencesse, bastaria ignorar o fenômeno.

MANIFESTAÇÕES2

As primeiras comunicações dos espíritos dos mortos foram obtidas através da tiptologia, por um “sim” ou “não”, segundo convencionado número de ruídos. Esse primitivo método tinha o inconveniente de limitar a formulação de perguntas, cujas respostas reduziam-se a monossílabos. Quando se emprega esse meio, o espírito exprime, através da energia empregada nas batidas, a natureza dos seus sentimentos, pela brusquidão dos movimentos, por repetições ou pela inclinação delicada da mesa, à guisa de saudação. Se quer dirigir-se a um dos presentes, aproxima-se dele com brandura ou violência, conforme seus sentimentos de afeição ou antipatia.

NARRA ALLAN KARDEC3

Um dia, na sua sala de visitas, onde muitas pessoas se ocupavam com as manifestações, um senhor do nosso conhecimento recebeu uma carta nossa. Enquanto a lia, a mesa que servia para as experiências veio repentinamente colocar-se-lhe ao lado. Concluída a leitura da carta, ele a foi colocar sobre uma outra mesa, do lado oposto da sala. Aquela mesa o acompanhou e se dirigiu para onde estava a carta. Surpreendido com essa coincidência, calculou o destinatário da carta que entre esta e aquele movimento alguma relação havia e interrogou a respeito o espírito, que respondeu ser o nosso espírito familiar. Informado do ocorrido, perguntamos, por nossa vez, a esse espírito qual o motivo da visita que fizera àquele senhor. A resposta foi:

— É natural que eu visite as pessoas com que te achas em relações, a fim de poder, se for preciso, dar-te, assim como a elas, os avisos necessários.

TIPTOLOGIA ALFABÉTICA4

Logo surgiu um meio de comunicação mais completo, com as letras do alfabeto indicadas por pancadas. Por esse método, a mesa dava tantas pancadas quantas fossem necessárias, para indicar as letras, que iam sendo anotadas, para formar frases e longos textos. Naturalmente, logo as manifestações inteligentes evoluíram para a escrita, pela rapidez e facilidade da comunicação. No entanto, em determinada época esses fenômenos foram muito interessantes, porquanto provaram, de forma incontestável, a presença de um espírito comunicante, através de um médium, com absoluta independência de pensamento.

VOLTEMOS AO CASO DE JORGE

Temeroso e desconfiado, Jorge entrou no recinto, conduzido pelo amigo Gabriel. Logo ficou intrigado com os ruídos e batidas produzidos espontaneamente por uma pequena mesa, sem que alguém estivesse próximo dela. Os sons vinham do interior da mesa, sem necessidade de qualquer intervenção externa. Para sua surpresa, manifestaram-se a esposa e a irmã, com boas provas de identificação. A não ser Gabriel, seu amigo, ninguém mais no local o conhecia, muito menos a sua história de vida. Ele era desconhecido dos presentes.

INCREDULIDADE

Jorge não era fácil de se convencer. Formulou uma solicitação mental e esperou a reação do espírito comunicante. Não tardou para que ele respondesse, aproximando-se de Jorge e batendo três vezes sobre as suas mãos, colocadas sobre o joelho. Satisfeito esse pedido mental, convenceu-se da veracidade dos fatos. Pediu ainda à entidade que se manifestasse em sua casa. Nada disse a qualquer pessoa, nem mesmo ao amigo Gabriel. Com o passar dos dias, imerso em suas atividades, Jorge esqueceu-se do assunto.

A RESPOSTA

Certa noite, quando nem se lembrava mais da comunicação mediúnica, Jorge foi despertado em sobressalto pelo rumor de três fortes golpes, que pareciam ter sido produzidos com os nós dos dedos em um móvel. Pensou que o filho estivesse chamando-o. Foi até o seu quarto e tudo estava quieto e em ordem, bem como nos demais cômodos da casa. Na manhã, nem o filho, nem os empregados da casa haviam ouvido qualquer ruído, durante a noite. Foi quando se lembrou do pedido que havia feito na sessão em que a esposa e a irmã haviam se comunicado.

A PROVA

Jorge retornou a uma outra sessão na mesma casa e perguntou ao mentor espiritual se poderia reproduzir o que havia ocorrido em sua residência. Imediatamente ressoaram três fortes golpes com a mesma força e igual intensidade dos que foram dados no armário de sua casa. Somente então é que Jorge explicou a todos os presentes o ocorrido.

CONCLUSÃO

As explicações filosóficas da Doutrina Espírita são muito mais convincentes do que os fenômenos de efeitos físicos. Entender o porquê da dor, das deficiências e das diferenças entre os homens motiva muito mais as pessoas ao estudo e à reflexão do que os fenômenos de assombramentos, de vozes e escritas diretas ou até mesmo as materializações. No entanto, pessoas inteligentes, interessadas e de boa-fé podem fazer sua iniciação no campo do conhecimento espírita motivadas por situações semelhantes à vivida pelo nosso personagem.

De nada adiantarão, contudo, a curiosidade, o convencimento e o estudo dos princípios fundamentais do Espiritismo, se não atentarmos para os convites que são feitos, diuturnamente, pelos mentores que nos inspiram: o da transformação moral e o da espiritualização de nossas atitudes. Com a reforma íntima, com a superação de más tendências e com o conhecimento daremos o devido valor à vida, esclareceremos nossas dúvidas e encontraremos o consolo para nossas tristezas.

A partir daí, não precisaremos mais de fenômenos mediúnicos para nos convencerem e nos despertarem para a imortalidade, porquanto já estaremos vivendo a moral do Cristo em nosso coração, em perfeita identificação com a espiritualidade e com os entes queridos que partiram desta existência.

REFERÊNCIAS

1 – BOZZANO, Ernesto. O Espiritismo e as manifestações supranormais, pg. 120. 3. Edição. 2020. Casa Editora O Clarim. Adaptação do Caso XXII.

2 – KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns – Item 13971. Edição. 2003. Tradução Guillon Ribeiro. FEB

3 – Idem

4 – Idem