Pedra no Sapato

Sidney Fernandes

O fato foi registrado numa reunião de espíritas da cidade de Bordeaux, França. Um jovem, de boa índole e educação, de repente começou a bater na mesa e a proferir injúrias, ameaçando os demais presentes. A cena durou cerca de dez minutos e chamou a atenção pelo inusitado, pois o rapaz jamais havia se comportado dessa forma. Assim que as coisas voltaram ao normal, o jovem desculpou-se, dizendo saber perfeitamente que fizera e dissera coisas inconvenientes, mas não as pudera evitar.

Situações como essa, que são atribuídas à influência dos espíritos, podem ser evitadas, quando há disciplina e controle da parte do médium. Descobriu-se, mais tarde, que o fato acima descrito teria sido provocado por um espírito brincalhão, mais disposto ao alvoroço do que propriamente fazer mal a alguém. Esse fenômeno mais incomoda do que prejudica.

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Na minha infância, existia em Bauru um repórter chamado Oswaldo Gaspar, que mantinha a coluna Pedra no sapato, no jornal Folha do Povo. Perguntei ao meu pai o que significava aquele título e ele me demonstrou, na prática, como um minúsculo fragmento pode não prejudicar, mas pode incomodar.

Embora minha metáfora não seja das mais felizes, estou querendo dizer ao amigo leitor que alguns espíritos, não necessariamente maldosos ou vingativos, podem ser atraídos pelo terreno fértil de nossas cogitações e se divertir com nossas reações. Querem alguns exemplos?

— Hipocondríacos (pessoas que facilmente se empolgam com a ideia de doença) terão seus imaginários sintomas ampliados pelo obsessor;

— O responsável pelo fechamento do cofre de uma instituição financeira voltará várias vezes para verificar os dispositivos eletrônicos de segurança, para conferir seu funcionamento, sempre se perguntando: — Será que fechei direito?

Quem, ao sair de casa ou do carro, nunca se perguntou: — Fechei direito a porta? Apaguei as luzes? Liguei o alarme?

Espíritos podem acentuar essas manias, na medida em que permitirmos que se tornem habituais. Em outras palavras, se controlarmos devidamente nossas fobias, inseguranças, preocupações, dúvidas e temores, evitando a auto-obsessão, ficaremos prevenidos contra a entrada de pedrinhas em nossos sapatos.

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Começamos nossa conversa com minúscula pedra e estamos finalizando com poderosa proteção que a divindade nos coloca à disposição. Daí, previnamo-nos contra as pedrinhas dos nossos sapatos, abramos o guarda-chuva dos bons espíritos e do nosso autocontrole, praticando o bem, a empatia e a solidariedade, confiando sempre em Deus.

Se nos mantivermos vigilantes, poderão vir pedras, blocos e tempestades, e nossas vidas continuarão tranquilas e produtivas.

 

Referências: Revista Espírita de 1862, Allan Kardec; Obsessão – tudo o que você precisa saber, Richard Simonetti.